segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Crise de Identidade e o Transplante de Mão

Dentre os avanços que os últimos tempos têm proporcionado, aqueles relacionados à medicina estão entre os mais repercutidos. Não que novas tecnologias de outras áreas não têm sido discutidas, mas os achados na área de biológicas trazem a tona alguns limiares de conceitos enraizados há muito tempo.

A exemplo, podemos citar as repercussões no campo da ética. A simples possibilidade de se criar um clone humano já gerou um debate bastante acalourado entre os membros da "Torre de Marfim" e ou praticistas. Antes disso, a fertilização in vitro já havia provocado certo furor; da mesma forma que o descarte de óvulos fecundados e a terapia gênica.

O mais interessante nestes episódios é que as preocupações acerca da aplicação dessas novas tecnologias respingaram em áreas cuja relação com a medicina não era clara. Isso ocorreu quando os transplantes de órgãos tornou-se viável. Questionava-se a identidade daquele que recebe um órgão: é o mesmo de outrora ou novo indivíduo? Claro que, na prática, o transplante de órgãos internos não altera a identidade de um indivíduo. Mas e se esse órgão fosse essencial para um processo de identificação?

Isso aconteceu em meados de 2000, na França. O francês Denis Chatelier, então com 33 anos, foi o primeiro homem a receber o transplante duplo de mãos. Chatelier perdeu os membros durante um acidente enquanto confeccionava fogos de artifício caseiros, em 1996. Quatro anos mais tarde, se submeteu a uma cirurgia dirigida pelo Dr. Jean-Michel Dubernand, em Lyon, e recebeu as mãos de um cadáver. Após a recuperação, Denis Chatelier se emocionou ao ver pêlos e unhas voltarem a crescer e recuperou a mobilidade dos dedos.

Denis Chatelier após a cirurgia, em 2000.

O potencial é inquestionavelmente fantástico. Devolver as mãos, tão essenciais, a um amputado deveria, por si só, justificar qualquer apontamento em contrário. Entretanto, avaliando sob aspectos talvez menos ortodoxos, a identificação de um indivíduo que recebeu o transplante fica, no mínimo, comprometida. Com a popularização desse procedimento, em especial pelo sucesso das cirurgias conduzidas pelo espanhol Pedro Cavadas, mais e mais pessoas passam a ter impressões digito-papilares de outras. Em que pese a unicidade, nada mudou, vez que aquele que cedeu as mãos perdeu a condição de pessoa (são atuais cadáveres), mas e quanto aos registros civis e criminais? E se o doador tiver deixado suas impressões em um eventual local de crime?

Não tenho as respostas a essas e outras perguntas que cercam essa temática. Penso, apenas, que devemos nos atentar a questões do gênero e discutir a consequência destas tecnologias com menos paixão e mais prática.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Galileu e a justiça à ciência

Galileu frente ao tribunal da inquisição Romana, pintura de Cristiano Banti

Este post não está diretamente relacionado a métodos periciais, mas tem repercussões interessantes no que tange a interface entre ciência e justiça. Em meados do século XVII, Galileu Galilei foi julgado por um tribunal da Inquisição por defender idéias "absurdas" referenciadas no heliocentrísmo. Essa é, sem dúvida, uma passagem histórica interessante. Sobretudo à filosofia e história da ciência.

Durante minha graduação, um professor solicitou que fizéssemos um comentário sobre tal julgamento, ponderando a opinião de pessoas que não estivessem envolvidas no meio das ciências naturais. Pensei em questionar alguém da área do direito para ponderar minhas observações. Foi assim que um então estudante do quinto ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, chamado Rodrigo Rodrigues Dias, topou o desafio e me escreveu a respeito. O que transcrevo abaixo são seus comentários:

Em que pese desconhecermos a legislação vigente, em especial à atinente ao Direito Canônico Medievo, na época em que a sentença que condenou o cientista e astrônomo Galileu Galilei foi prolatada, arriscaremos traçar algumas considerações, tergiversando a seu respeito.

A primeira observação que se faz mister acentuar é que, no decorrer do decisum não consta o fundamento legal ou seja o texto de lei no qual se baseia a condenação ou no qual está prescrito o ilícito perpetrado por Galileu.

Nulla poena, nullo crime sine lege. Não existe delito ou pena caso inexista lei que defina, à época em que a conduta foi realizada, descrição desta como ilícita e cominação de respectiva pena.

O que se verifica é a menção às Sagradas Escrituras, de forma genérica sem fazer menção, ao menos onde e se que forma as mesmas foram infringidas.

A face repressiva do Direito, a qual mostra-se em sua plenitude no ramo do Direito Penal, não tem a arbitrariedade como qualidade. Ao contrário, existe um arcabouço de garantias que podem ser resumidas, a grosso modo, no devido processo legal, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa.

No Direito Penal os princípios da legalidade, da anterioridade e da taxatividade fazem do ato de punir discricionário, impondo um limite à subjetividade do julgador.

Por taxatividadade entende-se que o tipo penal deve ser preciso e claro, delimitando a conduta. Qual a razão de ser absurda a afirmação de que o sol é o centro do mundo e de que permanece imóvel? E por que é errônea na fé a afirmação de que a Terra não é o centro do mundo?

Como se pode falar em ampla defesa se o acusado desconhece os motivos por trás da acusação que lhe é impingida? Ou como defender-se de ilícitos que nem se sabe onde estão previstos?

Nesta breve exposição não foi levantado qualquer aspecto que já não fosse de longo conhecimento geral, vale dizer, as abusividades, arbitrariedades e a prejudicial celeridade que caracterizavam os trabalhos levados a efeito pelo Santo Ofício.

O que se pretendeu, apesar de ignorarmos as peças processuais que precederam a sentença, foi levantar alguns aspectos jurídicos atuais, que apesar de pouco considerados pelos Tribunais da Inquisição tem seu desenvolvimento iniciado já no Império Romano.

É por essas e por outras que a Idade Média é intitulada 'Idade das Trevas.'

Rodrigo Rodrigues Dias - 5o. Ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco/USP, 2000

Nada mais justo que finalizar esse post com uma frase atribuída a Galileu: "E ainda assim ela se move!"

sábado, 31 de julho de 2010

Clipping Pericial (julho/2010)

Algumas notícias de interesse pericial do mês de julho.

Caso Bruno: Autonomia da Pericia de Belo Horizonte possibilita Investigação baseada em vestígios

O avanço nas ações da Pericia em encontrar vestígios no Caso Goleiro Bruno se deu principalmente por não haver interferência dos Delegados no trabalho dos Peritos Criminais, a investigação ocorre em conjunto sem que haja interferência no trabalho um do outro.

Um novo profissional surge na área da Tecnologia da Informação (TI). É o perito forense digital. Ele é responsável por atuar, organizar, planejar e minimizar os impactos dos cibercrimes. Com este profissional, empresas e governos podem rastrear e prevenir ataques que comprometam seus funcionamentos e gestões.

O Plenário aprovou nesta terça-feira, em primeiro turno, a proposta de piso salarial para os policiais dos estados (PECs 446/09 e 300/08). O texto aprovado por todos os 349 deputados presentes é o de uma emenda que resultou de um acordo entre o governo e as lideranças da categoria. A matéria ainda precisa ser analisada em segundo turno, antes de seguir para o Senado.


terça-feira, 27 de julho de 2010

XXI Congresso Brasileiro de Medicina Legal e X Congresso Brasileiro de Ética e Odontologia Legal

Mais dois congressos em vista:

"Mato Grosso abrirá suas portas para o BRASIL FORENSE 2010 - XXI CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA LEGAL e X CONGRESSO BRASILEIRO DE ÉTICA E ODONTOLOGIA LEGAL, a ser realizado no período de 27 a 29 de Outubro de 2010, no Centro de Eventos do Pantanal, em Cuiabá/MT, sob a responsabilidade da Associação Mato-grossense de Medicina Legal.

O BRASIL FORENSE 2010 terá como temas centrais Direitos Humanos e Perícias Forenses, com os objetivos principais de apresentar a todos os médicos e odonto-legistas os avanços nacionais e internacionais na área forense, promover o interrelacionamento entre os médico e odonto-legistas, provocando entre eles o intercâmbio de suas experiências pessoais e profissionais e utilizar esses conhecimentos advindos desses encontros, servindo, assim à sociedade e promovendo a justiça social.

Palestras, mesas redondas, grupos de discussão e cursos permitirão nortear e apontar rumos para o desenvolvimento dessa especialidade, trazendo para o evento as novidades e avanços na legal e na odontologia legal, através dos mais renomados professores e especialistas que despontam na atualidade.

Da mesma forma, espera-se que os congressistas e convidados possam desfrutar da já conhecida e decantada hospitalidade cuiabana , nosso imenso potencial turístico e gastronômico, além de rica cultura mato-grossense."

Para mais informações, acesse o site do evento.

domingo, 25 de julho de 2010

III Seminário Nacional de DNA e Laboratórios Forenses

Já foi postado aqui a divulgação do III Seminário Nacional de DNA e Laboratórios Forenses. Recebi por e-mail hoje o folder do seminário. Ei-lo abaixo:



quinta-feira, 22 de julho de 2010

VIII Seminário Nacional de Fonética Forense e V Seminário Nacional de Perícias em Crimes de Informática

Entre 4 e 6 de agosto de 2010, serão realizados o VIII Seminário Nacional de Fonética Forense e o V Seminário Nacional de Perícias em Crimes de Informática na Universidade Federal do Tocantins.

Para maiores informações consulte os site do evento ou ligue:
(63) 9977-2227
(63) 9208-0616
(63) 8405-0723
(63) 3218-6859
(63) 3218-1853

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Eletroplessão e o perigo à fauna


Não são raros os eventos de interesse pericial que envolvem acidentes eletro-relacionados. De choques elétricos domésticos em fio desencapado à morte por eletroplessão de aventureiros que decidem escalar torres de alta tensão, a perícia não tem grande campo a ser explorado. Quase sempre o episódio decorre de culpa: negligência de que deveria cuidar da manutenção de cabos ou locais onde se tem alta tensão; imperícia daqueles que, naquele dia, acordaram eletricistas; ou imprudência de quem julga ser uma boa idéia passar perto de um cabo de alta tensão ou subir em uma torre nesta situação.

Os achados periciais mais notáveis também são sempre os mesmos: marcas enegrecidas nos locais de curto-circuito, marca elétrica de Jellineck no ponte de entrada no corpo e uma fonte de eletricidade potencialmente perigosa. Alguns acidentes por eletroplessão são até esperados, já que, como disse Eisntein, "existem duas expressões do infinito: o Universo e a estupidez humana". Mas o que os engenheiros não esperam em seus projetos é que a fauna venha a se vitimar nas áreas eletrificadas.

Há alguns meses, ouvi o relato de um colega sobre um local de "crime ambiental" em que um bicho-preguiça fora morto por eletroplessão. O animal teria subido no poste e se aventurado em um transformador. Pode parecer papo de ecologista xiita, mas talvez seja necessária uma certa atenção à segurança de zonas de alta tensão localizadas nas proximidades de biomas preservados. Primeiro para evitar queimadas, segundo pela própria segurança da fauna (ao contrário de um humano, não posso culpar a preguiça por ter ignorado os avisos de PERIGO: ALTA TENSÃO).

Esse tema tinha passado pela minha mente e eu havia até desistido de abordá-lo aqui no CCC (pelo menos até amadurecer um pouco mais a temática para discorrer sobre as evidências nesses eventos). Entretanto, hoje deparei-me com algumas imagens no Flirk de um sujeito chamado SrimanAravind que me relembraram do tema. Entre fotos de tigres sendo descarnados e híbridos de leões e tigres, notei a documentação fotográfica de um urso morto por eletroplessão. No site não há muitos detalhes do caso, mas é curioso notar que o animal parece ter mordido o cabo e que a eletricidade teria entrado pela zona oral e saído por uma das patas traseiras, sugerindo que o urso estava em pé quando foi eletrocutado. Eis mais algumas fotos:





quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Perícia de Outros Povos


Durante a Copa, não foram poucos os episódios em que figuraram como vítimas e agressores torcedores de seleções mundiais. Em Hannover, na Alemanha, não foi diferente: no dia 5 de julho passado, dois italianos foram mortos por um cidadão alemão após discutirem em um bar sobre a participação das respectivas pátrias na Copa do Mundo de Futebol.

Mas por que estamos a falar sobre este episódio? Bem, em verdade, o evento foi o que menos me chamou a atenção. A fotografia supra foi feita logo após a equipe pericial ter chegado ao local do fato e flagrou os peritoS (ênfase no plural) se preparando para adentrar no estabelecimento. Reparem que na foto aparecem quatro profissionais, todos dotados de EPI da cabeça aos pés. Observem a parafernália ao redor deles (há pelo menos sete caixas de equipamentos).

Igualzinho nossos procedimentos cá em Terras Tupiniquins, não? Conheço colegas (e não são poucos) que trabalham sós durante o plantão. Outros acompanhados apenas de um fotógrafo, que como o cargo sugere apenas fotografa. Mas isso não é de todo um problema: é da dificuldade que nasce grandes idéias. Lembro do comentário de um professor de Genética Molecular que dizia ter improvisado uma cuba de eletroforese em uma manteigueira e que, portanto, a falta de recursos não deveria parar nosso labor, mas fomentar nossa criatividade. Concordo com o mestre. Temo, apenas, que o(s) julgador(es) de um processo crime não compartilhem do mesmo pensamento.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Microbiologia e identificação humana

Já há algum tempo, estive conversando com colegas de outras nações sobre quais seriam as perspectivas de inovações na área pericial. Um deles afirmou que a microbiologia forense era uma área incipiente e que seria o próximo passo a ser dado. Apesar de já ter lido algo a respeito, não consegui visualizar a praticabilidade do estudo dos microorganismos no dia-a-dia, a não ser, claro, nos casos de bioterrorismo.

Para minha surpresa, alguns pesquisadores pensaram no uso de bactérias na identificação humana. A idéia é usar a grande diversidade bacteriana associada à pele para este propósito. Supostamente, a diversidade desses microorganismo na pele é não somente grande, mas também única, o que equivale a dizer que possui variabilidade individual e, consequentemente, o potencial para identificação. Segundo os pesquisadores, "sabendo que as comunidades de bactérias associadas à pele são personalizadas, nós hipotetizamos que se poderia utilizar essas bactérias deixadas em um objeto na identificação forense, comparando as bactérias do objeto com aquelas associadas à pele do indivíduo que o tocou".

O artigo publicado na PNAS foi intitulado Forensic identification using skin bacterial communities (disponível neste link) e descreve alguns estudos demonstrando a validade do método. De acordo com os autores, seria possível coletar tais bactérias até duas semanas após o contato, desde que o objeto tenha se mantido à temperatura ambiente e intocado por outras pessoas.


A idéia é boa, a ciência é sólida. Mas me preocupam alguns aspectos, como a praticabilidade e a classificabilidade, critérios estes recomendados para todo processo de identificação judiciária. Outra questão que me parece relevante é o alto potencial de contaminação da amostra. Por se tratar de microorganismos, não deve ser difícil ocorrer uma contaminação cruzada entre amostras ou entre o coletor (policial ou perito) e o coletado (vestígio). Isso nos remete à velha preocupação sobre os procedimentos de custódia da prova, desde sua coleta até o fim do processo.

Talvez o colega americano não estivesse errado ao afirmar que o estudo dos microorganismo aplicados à questões forense é uma área incipiente.


Literatura citada:

Fierera, N.; Lauber, C.L.; Zhou, N.; McDonald, D.; Costello, E.K. & Knight, R. 2010. Forensic identification using skin bacterial communities. PNAS 107 (14): 6477-6481.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Clipping Pericial (junho/2010)

Eis algumas notícias periciais do mês de junho/2010:

Dezessete anos depois de ter feito a avaliação dos bens que compunham um espólio, um perito judicial do Rio Grande do Sul poderá finalmente receber o pagamento pelo seu trabalho. Os laudos do perito foram apresentados em um processo em 1993. Três anos depois, ele iniciou uma ação de execução para cobrar os honorários que lhe eram devidos. Graças a uma série de manobras judiciais por parte dos representantes do espólio, o processo se arrastou até agora sem que o profissional pudesse receber pelos serviços prestados.

Em entrevista exclusiva a Galileu, Max Houck conta o que a série trouxe de bom e ruim a quem trabalha de verdade com as investigações

A Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou na quarta-feira (9) proposta que recomenda a realização de recognição visuográfica nos locais de crime - método que torna possível materializar indícios e provas dos delitos por meio de imagens e fotos. A medida está prevista no Projeto de Lei 6650/09 , do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP). O projeto original, que obrigava o procedimento, foi alterado pelo relator, deputado João Campos (PSDB-GO), que acrescentou uma emenda.

No ano passado, "CSI" perdeu o posto de programa de TV mais assistido no mundo para "House". No entanto, agora em 2010, a série recuperou a primeira posição, com 73,8 milhões de espectadores dentro e fora dos Estados Unidos.

Os flashes e holofotes da mídia não podem deslumbrar autoridades constituídas, sob pena de se ter ofuscado o aspecto ético, tão importante na consolidação da credibilidade pública. Foi com esta consciência, que os peritos da Polícia Técnico-Científica do Estado do Tocantins se recolheram ao silêncio, depois que uma autoridade pública do Estado, preferiu confiar aos peritos de Brasília, os exames que resultaram no mesmo resultado que a perícia tocantinense havia encontrado: o cadáver carbonizado era mesmo o do empresário de Paraíso do Tocantins, José Antônio de Deus.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu hoje (22) enviar ao Conselho Nacional de Educação sua recomendação e apoio à proposta de inclusão da disciplina Medicina Legal na grade curricular dos cursos de Direito de todo o Brasil. A matéria foi debatida em sessão plenária, sob a condução do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante. Na sessão, os 81 conselheiros federais apoiaram, à unanimidade, a importância de que os cursos de Direito brasileiros ofereçam a disciplina a seus alunos, ainda que no formato de matéria optativa.

Exames detectaram projétil e fragmentos de osso dentro do veículo. Depois de atingida, ela foi jogada dentro de represa em Nazaré Paulista.

sábado, 26 de junho de 2010

Newton e os contrafeitores

Diz-se que na última década do século XVII, a moeda britânica estava em crise. Se conhece, historicamente, ao menos dois motivos para tal: cerca de 20% das moedas em circulação eram falsas; e metade das moedas verdadeiras estavam "aparadas" (nesta época, moedas eram de metais valorizados, como outro e prata, e os contrafeitores não somente falsificavam moedas, mas removiam diminutos pedaços dos metais que as compunham, juntando-os, fundindo-os e posteriormente vendendo-os; como as moedas desse período tinham bordas irregulares, ninguém percebia a remoção).
Uma moeda inglesa, de ouro, datada do ano de 1620.
Repare que as bordas são irregulares e parecem estar "aparadas".

É evidente que essas questões preocupava a monarquia. Especialmente quando os países estrangeiros passaram a recusar a moeda inglesa nas transações comerciais. Ou esses problemas eram solucionados, ou a Inglaterra iria à falência. Foi quando Isaac Newton assumiu o cargo de inspetor da Casa da Moeda Real, em 1695, a convite de um velho amigo (Charles Montague, que havia acabado da assumir o cargo de Ministro da Fazenda).

Newton, aos 53 anos, poderia ter feito de conta que trabalhava enquanto embolsava o generoso salário (equivalente a algo próximo de um milhão de reais por ano!), como fizeram os que o antecederam no cargo. O maduro, mas impaciênte e ainda hiperativo Isaac não se contentou com isso. Logo implantou formas de evitar a ação dos falsários. A primeira atitude foi mudar a maneira de cunhagem das moedas, dificultando a reprodução sem os novos maquinários.

Mas a providência que é pericialmente relevante foi a inserção de um serrilhado nas bordas das moedas. O serrilhado, que é até hoje utilizado, tinha um princípio simples e um propósito nobre: identificar as moedas que fossem "aparadas". Como estas bordas, qualquer remoção de fragmento, por menor que fossem, poderiam ser rapidamente notado pelo comerciante que recebesse a moeda, o que, em tese, o levaria a recusá-la. Talvez esse seja um dos primeiros elementos de segurança aplicado a um símbolo monetário.

Newton não parou por aí. Os falsários, se flagrados, eram levado à forca à época. Porém, o crime compensava, pois quase nunca eram pegos. O Inspetor Isaac passou a oferecer recompensas àqueles que denunciassem um falsário. Além disso, estabeleceu que um falsário detido que denunciasse outros dois falsários, era solto.

Surtiu efeito: a moeda recuperou seu valor e diversos criminosos foram capturados. Um deles era "peixe graúdo", se chamava William Chaloner e causou certos constrangimentos ao Sir Newton. Mas essa parte da história é mais policial que pericial.


Links e materiais relacionados:




domingo, 20 de junho de 2010

Perícia Criminal na terrinha

Eis uma reportagem de uma emissora portuguesa sobre o "mundo fascinante das ciências forenses". São dois vídeos com 10min cada um. Muito bem produzido por nossos patrícios ao público geral. Seguem os links:

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Humor - O laudo da parteira

Não sei quanto a veracidade, mas é engraçado. Talvez os colegas baianos possam se pronunciar se conhecem ou não essa história. Ei-la:

Há alguns anos em Sapeaçu, cidade no interior da Bahia, o delegado registrava a queixa de uma moça que se dizia deflorada pelo namorado. Na ausência de médico na cidade, pediu um laudo, por escrito, a uma parteira afamada da região para anexar ao processo.

Eis o laudo proferido pela profissional:

"Eu , Maria Francisca da Conceição, parteira mó do destrito de Jenipapo, estado da Bahia, cidade de Sapê, declaro para o bem do meu ofício que, examinando os baixos fuditórios de Maria das Mercedes, constatei manchas rôxas na altura da críca, que para mim, ou foi supapo de pêia ou cabeçada de pica.

É verdade e dou fé."

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Caso Vera Lúcia de Santana Gomes e o espectro equimótico

Está na mídia. Suponho que todos ouviram falar. Vera Lúcia de Santana Gomes, procuradora de justiça aposentada, teria espancada sua filha adotiva de 2 anos. Questionada no 13o. DP do Rio de Janeiro, Vera Lúcia teria afirmado que as contusões encontradas na menina decorriam de uma queda acidental. Os depoimentos das empregadas domésticas que trabalharam na casa da procuradora aposentada e presenciaram os episódios contradiziam as afirmações de Vera Lúcia.

E agora? Como discriminar entre as duas hipóteses? Foi uma queda acidental ou a menina sofreu agressões continuadas? Pericialmente, a pergunta a ser feita é se as contusões decorreram de um único ou de vários episódios?

Segundo os meios midiáticos, os laudos médicos indicaram que as agressões eram contínuas. Mas como chegaram os médicos legistas a essa conclusão? É provável que tenham analisado as lesões e estimado a idade de cada uma. Isso é possível avaliando as equimoses, lesão cuja idade pode ser estimada através da coloração.

A equimose é uma lesão fechada, provocada por ação contundente e caracterizada por uma infiltração hemorrágica na malha dos tecidos. O sangue extravasado tende à reabsorção e, com isso, ocorre uma variação colorimétrica. De acordo com o professor Genivaldo Veloso França, a coloração ao primeiro dia é vermelho lívido, passando a um arroxeado no segundo e terceiro dias. Do quarto ao sexto dia, a tonalidade da lesão tende ao azul enegrecido, chegando ao esverdeado do sétimo ao décimo dia. Entre o décimo e o décimo segundo dia, observa-se a coloração amarela esverdeada, passando ao amarelado que clareia até o desaparecimento próximo ao décimo sétimo dia. A mudança de cor aqui descrita recebe o nome de espectro equimótico (também conhecido por espectro equimótico de Legrand Du Salle)

Deste modo é possível estimar a idade de uma lesão! Mas não é só isso. A presença de lesões equimóticas de colorações distintas é prova inequívoca de agressões continuadas! É provável que essa tenha sido a análise realizada pelos legistas no caso da procuradora aposentada Vera Lúcia de Santana Gomes.

sábado, 5 de junho de 2010

Revista Prova Material

Cá em terra tupiniquim, são escassas as publicações voltadas à criminalística. Em especial em se tratando de periódicos. Talvez por este motivo a Revista Prova Material tenha sido tão bem recebida pela comunidade criminalística. Editada pelo Departamento de Polícia Técnica da Bahia (DPT Bahia), o editorial da primeira edição resume bem a proposta da revista:

"A Polícia Técnica da Bahia, reconhecida nacionalmente pela constante busca por parte dos profissionais que a integram, de uma Prova Material a cada dia com melhor qualidade, está reforçando a sua posição. A iniciativa de publicar esse conjunto de artigos elaborados por integrantes do seu quadro de Peritos Criminais, de Laboratório, Médicos Legistas e Peritos Técnicos, visa a preencher uma lacuna da qual todas essas categorias se ressentem: a falta de um veículo próprio e apropriado para a difusão e troca de informações. Visa ainda tornar acessível às demais categorias técnico-científicas da área jurídica e outras áreas correlatas, um conhecimento específico do que seja a Criminalística e como ela pode ser utilizada para uma melhor aplicação da Justiça."

Algo interessante sobre tal revista é que suas edição são gratuitamente acessadas através do site do DPT Bahia. Recomendo a leitura.