sexta-feira, 31 de julho de 2009

Perícia em Desmatamento na Amazônia e sua Importância

Segue um post muito interessante do amigo e colaborador PCF Egito.

Cada vez mais as decisões judiciais relativas a crimes ambientais têm exigido perícias ambientais, especialmente em casos de desmatamento. Vários processos têm sido anulados em tribunais superiores pela ausência de perícia comprovando o ato delituoso. Apesar de ser lamentável pela impunidade dos criminosos, essas anulações vêm a valorizar perícia criminal.

Na Amazônia, o incentivo governamental sempre foi no sentido de devastar a mata e ocupar a região e colonizar, atraindo desbravadores. Mesmo com os onze anos da Lei de Crimes Ambientais (1998), a cultura de respeitá-la ainda não chegou por aqui. Atendendo pressões internacionais, o governo federal criou a Operação Arco de Fogo (juntando POLÍCIA FEDERAL e IBAMA) no combate do desmatamento numa tentativa de fazer “colar” as leis ambientais na cabeça dos desbravadores.

No meio da selva, longe dos escritórios, pegando barcos, atoleiros, tendo que caminhar longas distâncias e, eventualmente, operar motosserra para remover toras de madeira que caem (inclusive propositalmente) sobre a estrada, lá estão os peritos ambientais. Documentando os delitos ambientais e os transformando em provas materiais, a perícia assume seu papel de “olhos” do judiciário. É através do laudo pericial que o juiz enxerga o delito, não só a realidade de campo, mas também as conseqüências dela para a qualidade do meio ambiente.

Independentemente da importância real dos desbravadores que trouxeram desenvolvimento, ainda que insustentável, para a região Amazônica, é lamentável que pessoas como o Ilustríssimo Senhor Presidente da República ignorem a legislação ambiental a ponto de dizer que os desmatadores não são criminosos.

Assim como os desbravadores da Amazônia, os bacharéis em direito não tem a real noção de como se interagem as variáveis ambientais e, por isso, a participação de peritos de diferentes áreas das ciências biológicas se faz mais importante ainda. Com a função de não apenas relatar o delito, mas discutir suas conseqüências para uma manutenção sustentável do desenvolvimento e qualidade de vida da população, a perícia tem função educativa. Cada laudo é uma peça que divulga a importância da conservação ambiental entre os juízes, muitos dos quais desbravadores, pecuaristas, madeireiros ou familiares destes.

Como diz o artigo 225 da Constituição, “todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.” Usurpar um bem público indiscriminadamente em detrimento do enriquecimento pessoal não me parece ser legal.

Muitas pesquisas sérias vêm sendo desenvolvidas na Amazônia no sentido de propor manejo adequado em busca da sustentabilidade das práticas agrícolas na região e já há um grande avanço técnico neste sentido. Mas, enquanto as práticas adequadas não viram realidade, resta-nos combater as inadequadas utilizando técnicas da criminalística para mostrar as consequências dos danos ambientais a réus, juízes e presidentes, provando-os que “cometer crimes ambientais realmente é ser criminoso”!

PCF Egito

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A solução do estuprador?

De vez em quando aparece alguém tentando inovar e acaba reinventando a roda. Em março deste ano, outro medicamento contraceptivo foi testado na china. Desta vez é uma pílula para uso masculino. Os testes clínicos foram pulbicados no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism. Não é a primeira vez que ouço falar em pílula anticoncepcional masculina (esse link sim foi a primeira notícia que li a respeito, e é uma tecnologia nacional). Quase sempre esse assunto vem acompanhado de um comentário dizendo o quanto seria revolucionário o lançamento de um produto com esses no mercado. E, claro, quase sempre se faz um comparativo com a consagrada pílula anticoncepcional feminina.

Mas porque estamos falando em método contraceptivo masculino num blog que se propõe a discutir e divulgar ciência forense? Simples. Da mesma maneira que não é a primeira vez que ouço sobre a tal pílula, também já ouvi a mesma crítica de que essa abordagem contraceptiva seria a solução que os estupradores estavam procurando. O raciocínio é que se a tal pílula impede o homem de engravidar uma mulher, então ele não deve ejacular espermatozóides. Sem esses gametas masculinos no sêmen, não seria possível o levantamento de um perfil genético do agressor.

Certo, esse é o raciocínio. Agora vamos desmontá-lo:

(1) quase todas as pílulas de que tenho ouvido falar possuem principio ativo que, de alguma forma, atua na maturação do espermatozóide (isto é, no amadurecimento destas células - no processo meiótico, no desenvolvimento do flagelo, ...). O fato do espermatozóide não estar maduro não significa que não estar presente no sêmen. Ele pode não ser capaz de nadar até o óvulo, mas é bem provável que ele ainda esteja presente no líquido ejaculado;

(2) mesmo que um remédio milagroso seja capaz de eliminar os espermatozóides de sêmen, ainda sim seria possível recuperar o perfil genético do dono. Isso porque no sêmen, ainda que em quantidade reduzida, há células epiteliais da escamação e outros resíduos celulares que podem conter material genético;

(3) com exceção dos serial rappists (como os serial killers, mas ao invés de matar em série, estupram em série), os estupros ocorrem majoritariamente por um questão de oportunidade: o indivíduo vê a vítima, tem a idéia e parte para o ataque. Em outras palavras, a maioria destes e outros crimes não são premeditados e, portanto, o estuprador não teria tempo hábil para se quer pensar em tomar uma pílula. Aliás, se ele tivesse que escolher, certamente escolheria a boa e velha camisinha: boa, barata e sem qualquer efeito colateral;

(4) o uso de contraceptivos químicos geralmente deixa algum resíduo no corpo. Na pílula feminina, por exemplo, é possível determinar se uma mulher faz ou não uso desses medicamentos mediante dosagem hormonal. Ora, será que no sêmen do indivíduo que fizer uso dessas pílulas não restará resíduo que denuncie seu uso?

Esse é só um ponto de vista. Como vêem, não entendo como um problema de segurança pública o uso da tal pílula masculina. Penso que ela criaria mais conflitos entre os casais (quem tomaria: o homem ou a mulher?) que entre as secretarias de saúde e de segurança pública.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Investigue o crime com as perguntas certas


Navegando pela grande teia mundial (www), me deparei com o site da editora Abril, mais especificamente com a página da revista Superinteressante. Não sou fã dessa revista, pois já encontrei algumas bobagens como anêmonas descritas como plantas carnívoras marinhas. Enfim, o fato é que na página encontrei um jogo interativo que simula um local de crime que, a princípio, parece um suicídio. Vale a pena dar uma olhada (clique aqui para ir à página do jogo).

Particularmente, gostei do jogo. Ele desmistifica um pouco do Efeito CSI de que a perícia resolve tudo. Tudo bem que, no jogo, exames laboratoriais tem a duração de um click (bem mais rápido que na vida real). Mas isso não tira o crédito do jogo no que tange a somatória de informações periciais e investigativas. Notadamente, sem uma investigação circunscrita, a perícia de nada serve. É necessário provocar a perícia para que dela sejam extraídas informações pertinentes.

Isso me lembra aquele holograma do filme Eu, Robô (I, Robot, 2004): quando o detetive Del Spooner (Will Smith) faz uma pergunta "errada" ao holograma do cientista Alfred Lanning (James Cromwell), ele responde com um sonoro "I'm sorry. My responses are limited. You must ask the right questions". É mais ou menos assim que trabalha a perícia: quando os operadores do direito fazem as perguntas certas (na forma de quesitos), as respostas direcionam a investigação. Caso contrário, as respostas são tão inúteis quanto aquela do Dr. Lanning holográfico.

sábado, 18 de julho de 2009

Visum et Repertum


Sempre achei pobre as interpretações que me foram apresentadas àquela frase em latim que se refere ao objetivo primo da perícia criminal. Trata-se da famosa visum et repertum (presente, inclusive, no símbolo do Instituto de Criminalística de São Paulo - vide acima).

As interpretações que ouvia desde a minha formação como perito eram "ver e repetir", "ver e referir", "ver e reportar". Esses entendimentos me parecem pobres, pois implicam em uma mera descrição do que foi observado. Penso que a perícia deve ir além da descrição, além do percipiendi.

Recentemente, tive a oportunidade de conhecer a interpretação do Prof. Luiz Eduardo Dorea, perito criminal do Estado da Bahia. O professor colocou que o visum et repertum "significa aquilo que foi examinado e descoberto, com o sentido de aquilo que foi observado e é dado a conhecer". Examinar, descobrir e dar conhecimento são verbos com sentidos práticos diferentes dos simples ver e referir.

A visão do Prof. Dorea é bem próxima daquela que buscava. Ver e repetir é função de testemunha. Interpretar o observado, sob a ótica técnico-científica, é função (se não obrigação) do perito. Não há de se abster do deduciendi pericial em seu trabalho.

O Prof. Dorea ainda consignou que uma alternativa ao termo latino seria o visum, repertum et interpretandum. Essa teria sido a proposta do Prof. Lamartine Bizarro Mendes e, segundo o Prof. Dorea, aprovada no Congresso de Criminalística, passando a
fazer parte do lema da profissão.

Ao perito, portanto, cabe não apenas o exame e o descobrimento de vestígios, mas sua interpretação. É o perito que vislumbra as relações da tríade vítima-local-meliante. Mas esse é só um ponto de vista.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Bad Science

Não são incomuns discussões nos meios acadêmicos sobre método e validade científica. Essas discussões são de extrema importância para o processo científico como um todo. A justificativa é simples: métodos errôneos levam a conclusões errôneas. Veja que um projeto científico via de regra se propõe a responder a uma pergunta e para encontrar a melhor resposta é necessário encontrar a melhor estratégia, o melhor método. Caso contrário se faz "má ciência", uma tradução ipsis literis do termo inglês bad science (também conhecida por pseudoscience, fringe science, pathological science, voodoo science e cargo cult science).

Mas quais são as conseqüências dessas conclusões errôneas? Na verdade, pode ou não haver conseqüências. Entretanto, quando há, elas tendem a ser desastrosas. Veja: um erro médico pode matar uma pessoa; um erro de um engenheiro pode derrubar um prédio e matar muitas pessoas; um erro de um biólogo pode extinguir uma espécie; e assim por diante.

E o erro de um perito? Simples: o erro de um perito inocenta culpados ou criminaliza inocentes. Por vezes esses erros são reparados, por vezes não. Isso mostra a responsabilidade do perito sobre um caso concreto.

Um exemplo disso ocorreu na Inglaterra. Em 1998, Mark Dallagher foi condenado por ter matado Dorothy Wood, uma velhinha de 94 anos, asfixiando-a com um travesseiro. Ele negava o crime, mas foi condenado por uma impressão de orelha deixada na janela por onde o invasor teria entrado. Antes do feito, o meliante teria colocado o ouvido no vidro da janela, buscando ouvia a movimentação. Segundo o expert Cornelis Van Der Lugt, ele estava “absolutamente convencido de que aquela impressão na janela era da orelha do Sr. Dallagher”. Ele foi condenado e encarcerado.

Esse era o primeiro caso em que uma impressão de orelha havia fundamentado uma condenação e o representante da promotoria disse que aquilo era "um grande avanço para as ciências forenses".

Em julho de 2002, Dallagher pediu a revisão do caso que foi reaberto quase um ano depois. Dallagher saiu sob fiança 10 dias depois, mas ainda era um condenado. Mas em janeiro de 2004 sua inocência foi provada: um perfil genético (de DNA) obtido a partir da impressão de orelha provou que aquela não era de Mark Dallagher.

Aqui mora o perigo da má ciência. Alguns especialistas vão muito além do que as pesquisas e a experiência do passado podem justificar. Existe certo perigo subjacente aos métodos que são desenvolvidos para determinados fins e utilizados para outros abusivamente. E isso ocorre muitas vezes de forma não intencional, mas de boa fé e alcançam resultados em que o método não se aplica.

O inocente Mark Dallagher passou sete anos preso em função do testemunho errôneo do Sr. Van der Lugt. Esse episódio só prova que a validade da identificação pela impressão da orelha é incerta. Portanto, não deve ser utilizada simplesmente porque os levantamentos necessários para o estabelecimento da validade do método ainda não foram realizados.

Talvez seja o caso daquelas discussões acadêmicas sobre método e validade científica, de que comentei no início deste post, invadirem os meios periciais e jurídicos.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Petéquias? O que é isso?

Alguns leitores deste singelo blog sugeriram um post sobre a formação das petéquias. Assim o faremos, mas por estar navegando em mares do conhecimento alheios ao da criminalística, tive de adicionar o termo “medicina legal” no subtítulo deste blog.


As petéquias nada mais são do que equimoses puntiformes. Equimose é o nome dado ao sangue extravasado dos vasos, infiltrado nas malhas dos tecidos e ali coagulado. Podem ser formar logo após um evento traumático ou horas depois. Além disso, não se manifestam obrigatoriamente na sede da lesão.

As pequenas manchas que aparecem na conjuntiva palpebral, freqüentes em casos de asfixia mecânica, são exemples de petéquias. Nesses casos, elas também podem aparecer no “branco dos olhos” ou, com menor freqüência, em outras partes do corpo.

Mas como são formadas as petéquias na conjuntiva palpebral? Acredita-se que sua formação seja o resultado da ruptura de vênulas e capilares quando o retorno no sangue venoso para o coração é obstruído, enquanto o fluxo arterial para a cabeça é mantido. Induzindo a afirmação, é necessário menos pressão para obstruir uma veia jugular (que possui paredes finas e baixa pressão sanguínea) do que uma artéria carótida (de paredes grossas e musculosas, com alta pressão sanguínea). Então, quando um pescoço é pressionado moderadamente, é provável que o fluxo arterial continue fluindo, enquanto o fluxo venoso é interrompido. Essa obstrução seletiva dos vasos maiores resulta no aumento da pressão em pequenos vasos da cabeça, o que eventualmente leva a ruptura destes últimos.

(Parênteses de lembrete: a veia jugular tem fluxo sanguíneo no sentido cabeça-coração, ao passo que as artérias carótidas têm fluxo inverso. Tanto carótidas, quando a jugular passam pelo pescoço. Geralmente, veias possuem paredes finas e artérias paredes grossas).

Vale ressaltar, entretanto, que a presença de petéquias, sozinhas, não é diagnóstica de asfixia mecânica. As mesmas petéquias podem aparecer em casos de morte por doenças cardíacas, em vítimas de queimadura ou em pessoas com deficiência no processo de coagulação sanguínea. Daí a importância de associar o achado das petéquias com outras características encontradas na necropsia e no levantamento de local de crime.

Para saber mais sobre a associação de petéquias às asfixias, recomendo a leitura do artigo de Ely e Hirsch entitulado Asphyxial deaths and petechiae: a review (2000, Journal of Forensic Science 45: 1274-7).