domingo, 30 de agosto de 2009

Era o cheiro do cadáver...

Não há como negar que há muito o que ser pesquisado no campo das ciências forenses. Aliás, sempre haverá, pois o capítulo da humanidade intitulado "ciência" não é convencional, pois possui começo, mas não meio e fim. Já os recursos financeiros para investimentos, em ciência esses sim possuem fim (repare na dualidade do termo "fim" que, nesta colocação, pode representar tanto finalidade quanto final - sim, foi intencional). Sabendo desta limitação, onde se deveria investir?

Essa é uma pergunta relativamente recorrente nos meios acadêmicos. Especialmente por parte das agências financiadoras que decidem quais projetos receberão os limitados recur$o$. Mas existem nações mais privilegiadas que nosso país tropical neste sentido. Nesses, os investimentos em ciência e tecnologia não passam por tantos crivos.

Um exemplo disso é a iniciativa de Dan Sykes, pesquisador da Pennsylvania State University. Ele se propôs a estudar compostos oriundos da decomposição cadavérica, visando mapear em que situações (inclusive ambientais) e em que ordem eles aparecem. A idéia do pesquisador é, no futuro, desenvolver um sensor eletrônico capaz de identificar tais compostos em pequenas concentrações. Segundo o pesquisador, o "focinho eletrônico" ajudaria equipes de busca a localizar corpos em áreas de desastre em massa ou de ocultação de cadáver.

Meu questionamento é simples: por que desenvolver uma máquina "farejadora" se um cão faz isso tão bem e de graça? A habilidade dos cães farejadores foi inicialmente utilizada nas caçadas, quando localizavam e perseguiam a presa. Desde o século passado esses cães têm sido treinados a localizar drogas, explosivos, resquícios de sangue, acelerantes e cadáveres. O faro de um cão é não somente mais apurado, como também mais versátil que o de uma máquina. Penso que vai demorar muito até que um focinho eletrônico possa substituir as atribuições de um cão farejador.

Terra Indígena Capoto Jarina (MT) - Equipe do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal com cães farejadores auxilia na busca das vítimas do acidente do Boeing 737-800 da Gol. Mais de 350 pessoas, entre militares da Força Aérea Brasileira (FAB), do Exército, bombeiros e peritos do Instituto Médico Legal (IML), participam das buscas. Foto: Divulgação/FAB


Há de ser dar mérito, entretanto, aos objetivos da pesquisa do Dr. Dan Sykes. Apesar de não ser um grande avanço na localização de um cadáver, talvez o seja na estimativa do tempo de decomposição. É sabido, a exemplo, que a decomposição de corpos humanos gera compostos como indole, cadaverina e putrescina. Mas em que ordem? Claro, os processos químicos que geram tais compostos são influenciados por fatores ambientais e micro-ambientais, como temperatura, umidade, fauna cadavérica associada, entre outros. Essa abordagem, no entanto, me pareceu interessante. Que seja esse o início da formação de uma biblioteca de compostos oriundos da decomposição e de sua ordem de aparecimento.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O primeiro perito

As ciências forenses (aqui referida à ciência natural latu sensu aplicada aos problemas jurídicos) remontam suas origens nas pessoas que desenvolveram princípios e técnicas necessárias à identificação ou à comparação de evidências físicas. Mas não somentes a essas pessoas, também àquelas que reconheceram a necessidade de fundir esses princípios em um disciplina coerente que pudesse ser aplicada praticamente à justiça criminal.

Muitos apontam a Medicina Legal como a primeira disciplina nascida neste moldes. Ao menos com essa denominação, essa afirmação parece verdadeira. Mas não foi de um crime contra a pessoa que emergiu o primeiro caso envolvendo a ciência contra o crime. Foi em um crime contra o patrimônio. Aposto que já ouviram falar da história de um indivíduo correndo desnudo pelas ruas e gritando "Eureka! Eureka!". O peladão era Arquimedes, um sujeito peculiar que viveu no séc. III a.C. onde hoje é Itália.

Diz a lenda que Hierão, rei de Siracusa, encomendou uma coroa de ouro a um ourives. Ao receber a coroa, rumores rondaram a cidadela dizendo que o ourives enganara o rei, misturando o ouro maciço com prata na confecção da tal coroa. Visando descobrir se havia prata na jóia sem danifica-la, Hierão pediu a ajuda de Arquimedes. O cientista se pôs a pensar sobre o problema cuja solução teria lhe ocorrido durante o banho. Arquimedes teria notado que uma quantidade de água correspondente ao seu próprio volume transbordava da banheira quando ele nela entrava e que, utilizando um método semelhante, poderia comparar o volume da coroa com os volumes de iguais pesos de prata e ouro: bastava colocá-los em um recipiente cheio de água, e medir a quantidade de líquido derramado. O restante da história vocês já conhecem: "Eureka! Eureka!".

Arquimedes era inventor, físico, matemático e filósofo. Sua genialidade mutidisciplinar o faria um perito em clínica geral perfeito no dias atuais. Arquimedes foi morto por um soldado romano, durante a Segunda Guerra Púnica. Um infeliz combatente encontrou o velho cientista a desenhar circulos na areia e acabou por matá-lo, sem saber de quem se tratava, quando o velho se negou a obedecer suas ordens enquanto não terminasse o raciocínio que começara. Pobre Arquimedes.

Estranho os profissionais da perícia que lecionam nas academias de polícia Brasil a fora não mencionarem o mestre Arquimedes. Fala-se de Mathieu Orfila (1787-1853), Hans Gross (1847-1915), Leone Lattes (1887-1954), Edmond Locard (1877-1966)... Mas não se comenta Arquimedes, aquele que de fato inalgurou a utilização de princípios científicos em problemas de ordem jurídica.

Um brinde a Arquimedes!

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Caso Jackson: demerol? Não, propofol!

Em post anterior foi cogitado que Michael Jackson poderia ter morrido por interação medicamentosa entre demerol e MAOI. Não foi demerol, mas propofol. Segundo o médico legista chefe de Los Angeles, Dr. Sathyavagiswaran, a morte de Michael foi o resultado da administração de doses letais do anestésico propofol (comercialmente conhecido por diprivan). É o que consta na avaliação toxicológica prelimiar divulgada ontem.

Jackson morreu no dia 25 de junho passado. No mesmo dia, Conrad Murray, médico particular do cantor, confessou ter ministrado valium (1h30min da manhã), lorazepam (2h), midazolam (3h), várias outras drogas não divulgadas (entre 4h e 10h) e, finalmente, 25mg de propofol (10h40min). Era tudo que um hipocondriaco, como seu paciente, queria!

Certo, mas 25mg de 2,6-di(propan-2-yl)phenol, nome sistemático do propofol, é letal? A bula do medicamento diz que "é possível que uma superdose acidental acarrete depressão cardiorrespiratória". Até aqui, tudo de acordo: conforme divulgado, Jackson teve uma parada cardiorrespiratória. E quanto à dose? Diz a bula: "A maioria dos pacientes adultos com menos de 55 anos [...] possivelmente requererá de 2,0 a 2,5 mg/kg de Propofol". Então, para que 25mg fosse uma dose letal, Michael Jackson deveria pesar menos de 10kg. Apesar de extremamente magro, duvido que o popstar tivesse peso próximo disso.

Sites paparazzi afirmam que, em 03 de junho, Michael estava muito magro e que seu índice de massa corpórea (IMC) estava abaixo dos níveis saudáveis. Sites diversos trazem a informação de que ele tinha 1,81m de altura. Se seu IMC esta muito abaixo do saudável, então deveria estar abaixo de 18,5. Como o IMC é calculado atraves da divisão do peso (em kg) pelo quadrado da altura (em metros), chegamos a conclusão de que seu peso deveria ser abaixo de 60,6kg.

Pesando 60kg, a dose requerida de propofol seria entre 120 e 150mg (considerando as informações da bula). Então, como 25mg teriam o matado? Aqui ficamos com duas hipóteses: 1) Conrad Murray mentiu no depoimento, ministrando muito mais de 25mg do sedativo; 2) houve algum tipo de interação medicamentosa entre propofol e as outras drogas ministradas pelo médico. Vale ainda dizer que essas hipóteses não são mutuaemente excludentes (ou seja, a ocorrência de uma não excluia a outra).

Já diziam meus professores: "o testemunho é a prostituta das provas". Não é pouco provável que Murray esteja mentindo. Afinal, ele é o principal investigado no caso. Logo, a primeira hipótese é , no mínimo, plausível.

Quanto a segunda hipótese, consultando novamente a bula do propofol, temos que "as necessidades de dose de indução de Propofol podem ser reduzidas em pacientes com pré-medicação via intramuscular ou intravenosa, especialmente com [...] combinações de opióides e sedativos (p. ex., benzodiazepinas, barbitúricos, etc.). Esses agentes podem aumentar o efeito anestésico ou sedativo de Propofol, podendo também resultar em reduções mais acentuadas nas pressões arteriais sistólica, diastólica e média e no débito cardíaco". Reparem que valium, medicamento ministrado pelo médico, é o nome comercial do diazepan, um benzodiazepínico. Lorazepam e midazolam, também ministrados, também são benzodiazepínicos.



Em outras palavras, todos as drogas confessamente aplicadas pelo Dr. Conrad Murray potencializam o efeito do propofol. Aceitando as duas hipóteses, é possível que a dose administrada tenha sido maior que 25mg, mas não necessariamente maior do que a recomendada, pois o efeito do sedativo teria sido potencializado por interação medicamentosa.

Se foi o que aconteceu, não se pode dizer. Entretanto, se ao menos faz sentido já valeu pelo exercício mental.

domingo, 23 de agosto de 2009

Quer aprender sobre explosivos?

Pode parecer mentira, mas não é tão raro um perito criminal se deparar com uma situação envolvendo explosões. Pensando unicamente nos últimos anos, é possível citar casos que vão desde baterias de telefones celulares (além de te espionarem, eles ainda podem explodir) a laboratório de perícia criminal que foi pelos ares (lembram do evento na sede da Polícia Federal do Amazonas?).

Determinar a dinâmica de um evento relacionado a uma explosão num local de crime não é tarefa fácil. São recorrentes quesitos (perguntas feitas pela autoridade policial) relacionados à causa, ao potencial lesivo do artefato e à extensão dos danos. Entender como funcionam os explosivos é requisito essencial para o perito que atua em casos desta natureza.

Pensando nisso, um perito criminal preocupado com a qualidade dos trabalhos dos colegas organizou um curso teórico-prático sobre explosivos. Trata-se do Prof. Roberto Fonseca, hoje lotado na Assistência Técnica da Diretoria do Instituto de Criminalística de São Paulo. O curso será ministrado no interior paulista, na cidade de Rio Claro, nos dias 24 e 25 de setembro deste ano. São 50 vagas destinadas a peritos criminais. Os interessados devem entrar em contato com o próprio Prof. Roberto através do e-mail transitando@uol.com.br o quanto antes.

Como diria o Prof. Roberto, "saudações periciais"!

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Falsificação de DNA?

Baseado em um artigo de um grupo de pesquisa israelense, vários sites de notícia publicaram matérias afirmando que é possível fabricar evidências de DNA. Será que devemos nos alarmar e, assim, deixar de confiar nos confrontos de perfis genéticos?

Esse foi o questionamento que meu amigo Gabriel Cunha me fez ao discutirmos o artigo publicado na Forensic Science International: Genetics. A sadia troca de idéias resultou em um post muito interessante no blog que ele escreve, intulado RNAm (confira esse post, vale a pena). Há ainda uma matéria de mesmo teor na INFO Online, muito bem escrita por Paula Rothman.

Em síntese, por meio de uma técnica de amplificação de DNA genômico (WGA, para os entendidos), os israelenses conseguiram criar muitas cópias do genoma de uma pessoa X e colocar tal produto da amplificação no sangue de uma pessoa Y após extrair as células nucleadas de tal amostra sanguínea. A fake evidence (como os americanos têm chamado o "sangue falso") seria composta de plasma e hemáceas (que são anucleadas, portanto não possuem DNA) da pessoa Y e DNA amplificado da pessoa X. Com base nos protocolos empregados nos laboratórios de genética forense (STR, VNTR, ...), a determinação do perfil da amostra apontaria para a pessoa X. Isso poderia abrir precedentes nunca antes vistos nos casos em que o DNA matou a charada.

Há, entretanto, como distinguir o DNA celular do fabricado in vitro. O primeiro possui regiões metiladas, ao passo que o segundo não. Uma análise da metilação, portanto, poderia determinar se a informação obtida por aquela molécula é válida ou não.

Penso que existe uma forma bem mais simples de fazer tal diferenciação. Basta lembrar de Leone Lattes que, em 1915, desenvolveu um método para determinar a tipagem sanguínea do sistema ABO em manchas de sangue encontradas em locais de crime. Lembremos que as proteínas A e B que determinam a tipagem ficam ancoradas na membrana das hemácias. Como citado, a amostra de sangue falsa criada pelo Dr. Frumkin, autor do artigo em questão, era composta DNA de X e hemácias de Y. Logo, na comparação das amostras biológicas, o perfil genético apontaria para X, mas a tipagem no sistema ABO corresponderia a de Y.

Claro que seria possível um meliante doutor em genética molecular usar sangue de um doador de mesmo tipo ABO que daquele que se quer incriminar. Porém, o sistema ABO é apenas um dos sistemas utilizados na tipagem sanguínea. Há, pelo menos, outros vinte.

Portanto, ao contrário do que se alarmou nos sites de divulgação científica, não é tão fácil assim produzir uma prova falsa baseada em DNA. Analisando o artigo, fiquei com a impressão de que o Dr. Frumkin quer criar uma demanda para vender um produto exclusivo e, assim, ganhar dinheiro. Digo isso porque o autor é o fundador de uma empresa chamada Nucleix que desenvolver uma técnica para determinar se uma amostra de DNA possui ou não metilação. Aos meus olhos, ficou evidente que a Nucleix pretende vender essa tecnologia para laboratórios criminais determinarem se a amostra é falsa. Aposto que, hoje, a chance de encontrar uma amostra falsa não é maior que 1 em 1 trilhão. Tal abordagem seria de fato útil com que freqüência nos dias atuais? Mas criando a demanda, essa freqüência poderia aumentar.

Por ora, não há muito com que se preocupar. Quem sabe no futuro?

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Além do projétil

O YouTube é mesmo uma ferramenta didática fantástica. Um dia desses me perguntaram como se originavam as zonas de esfumaçamento e de tatuagem nos ferimentos produzidos por disparo de arma de fogo. Como o questionador era um policial militar, presumi que ele entendesse de arma de fogo e procurei dar um explicação de acordo com os fundamentos do tiro. Ele não entendeu. Pena que eu não tinha acesso ao YouTube na ocasião.

Disse a ele que o projétil não saia da boca do cano sozinho. Junto com ele, saem os gases superaquecidos, fuligem (oriunda da combustão da pólvora), grãos de pólvora incombusta e uma língua de fogo. No disparo a curta distância, a fuligem se deposita no alvo, gerando a tal zona de esfumaçamento. Na mesma situação, os grãos de pólvora incombusta, acelerados pela expansão dos gases em combustão, atigem os tecidos e neles se impregnam, gerando pequenas manchas vermelhas salpicadas ao redor do orifício de entrada do projétil (a tal zona de tatuagem).

Após minha explanação, o policial me olhou com aquela cara interrogativa, mas envergolha de perguntar novamente, e acenou com a cabeça como se tivesse entendido. Achei que ele não tivesse noções de medicina legal. Na verdade, ele não sabia muito sobre o funcionamento de uma arma de fogo.

Hoje, me mandaram o vídeo abaixo. Nele se vê os gases saindo do cano juntamente com fuligem, pequenos grãos (pólvora incombusta) e, claro, o projétil em rotação. A filmagem foi feita em muitos quadros por segundo (seguramente mais de 500) e é reproduzida em cerca de 24 fps. (frames per second). Isso dá a sensação de slow motion e facilita a visualização desses elementos.



Ah se eu tivesse esse vídeo para explicar os elementos do tiro ao policial!

domingo, 16 de agosto de 2009

"Nunca coloque a mão de um cadáver na boca"

Colocar a mão de um cadáver na boca não me parece uma boa idéia em nenhuma circunstância. Sério. Não consigo pensar em uma situação sequer em que essa atitude acrescentaria algo ao meu trabalho (ou a minha sanidade mental). Pois Dana Kollmann, uma ex-CSI, conseguiu. Na busca por um bom resultado na identificação de um cadáver por meio de impressões digitais, Kollmann acaba com os dedos do de cujus na cavidade oral. O episódio deu origem ao título do livro que ela escreveu.

Nunca coloque a mão de um cadáver na boca é um livro divertido e sem grandes pretenções. A escrita é agradável e bem humorada, logo não é um livro técnico. A leitura vale a pena não só pelo entretenimento, mas também pelo conhecimento do que é o dia-a-dia de um perito norte-americano. Confesso que algumas das revelações do livro causam inveja a qualquer profissional da perícia criminal tupiniquim, como a disponibilidade de certos equipamentos, o pagamento de hora extra ou a simplificação de alguns procedimentos burocráticos. Outras conformam o perito nacional, pois trataram dos problemas que um CSI enfrenta em seu cotidiano, como o atendimento a locais sozinho (sem uma equipe), a falta de comprometimento de alguns policiais que preservam o local ou a obrigatoriedade em atender a "chamados idiotas [...] porque o departamento tem medo de dizer não aos contribuintes" (palavras da autora).

Como raramente conseguimos mudar o foco da prosa pericial em nosso período de lazer, recomendo a leitura. Fica aí a dica.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Humor: perito tem vida social?

Sim, leitores, neste espaço também podemos nos divertir com humor pericial. Esse é só o primeiro post abordando o tema.

A maioria dos peritos criminais Brasil a fora trabalha muito. Digo isso pois tenho conversado com colegas de quase todas as unidades da federação e os problemas são quase os mesmos. Mais intensos em alguns lugares, menos em outros. Mas, essencialmente, os mesmos. Vejam, não sei de um estado se quer que possua um número de peritos criminais adequado para o tamanho geográfico e a população da respectiva unidade territorial. Isso leva ao grande número de casos atendidos por perito por mês (esse número pode chegar a 120 casos/mês/perito em alguns lugares).

Sim, os governos são conscientes disso e procuram recompensar. Em São Paulo, o estado paga o tal RETP que significa Regime Especial de Trabalho Policial (apesar de ter sido carinhosamente apelidado de Regime de Escravidão em Trabalho Pericial). Outros estados também possuem mecanismos compensatórios semelhantes. No Paraná há o TIDE, ou seja, Tempo Integral e Dedicação Exclusiva como gratificação. E assim por diante.

Apesar dos pesares, há de se ter vida social. E isso pode gerar situações constrangedoras e ser motivo de piada entre os colegas. Confira no vídeo abaixo.


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Meu celular, meu espião

O telefone celular realmente revolucionou os meio de comunicação. Dentre seu atributos, a mobilidade foi o que inicialmente fascinou os usuários. Mas o preço era astronômico em seus primeiros aos de operação. Hoje, com a socialização da telefonia móvel, qualquer um pode ter um aparelho (que muitas operadoras fornecem gratuitamente) e sair falando.

Não estamos muito longe do dia em que cada habitante deste planeta terá seu próprio aparelho. Em algumas regiões do Brasil já até passamos disso: no Distrito Federal há, em média, 1,08 celulares ativos por habitante. A ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) prevê que em apenas nove anos teremos um aparelho celular ativo para cada habitante nacional. Em outras palavras, em 2018 cada habitante da terra brasilis poderá ser vinculado a um número de telefone pessoal.

Alguns podem pensar que estou aqui a discorrer sobre o potencial de expansão do mercado de telefonia móvel como um consultor de investimentos tentando convencer um cliente a investir neste mercado. Mas certamente estão enganados. Na verdade, pensando em segurança da informação (e, porque não dizer, da privacidade), esse panorama me assusta.

As pessoas carregam seus celulares para onde quer que elas vão (seja dentro de casa, no trabalho, no carro e até mesmo no banheiro, onde alguns jogam sudoku enquanto se empenham no número dois). Imagine, agora, que cada aparelho pudesse funcionar como uma escuta. Imaginou? Isso seria o mesmo que dizer que, a partir de 2018, qualquer brasileiro poderia funcionar como uma escuta ambulante. Bastaria ter um telefone celular.

Pois bem. Agora pare de imaginar, pois essa tecnologia já existe e tem sido usada por pessoas mal intencionadas mundo a fora, especialmente em espionagem industrial. Quem afirma isso é Wilfried Hafner, presidente da Companhia SecurStar. No final de 2008, Hafner fez uma demonstração para um plateia de policiais federais, agentes da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) e funcionários do Tribunal de Contas da União. Com apenas um celular nas mãos, ele pode grampear qualquer telefone celular. Bastava possuir o número do aparelho. O meio para tal era um vírus enviado por SMS. O programa espião, chamado RexSpy, foi desenvolvido por sua empresa para mostrar a vulnerabilidade do sistema de telefonia celular. Ele afirma que versões similares do vírus circulam pela internet em comunidades de hackers, principalmente na China e Coréia do Sul.

Ao receber o SMS com o vírus, o telefone infectado sequer alerta para a chegada da mensagem. Uma vez autoinstalado no aparelho, o remetente passa a ter acesso a todos os dados do aparelho, como a agenda telefônica, mensagens de texto, fotos e vídeos. Como se não bastasse, o telefone que enviou o vírus recebe uma mensagem cada vez que o aparelho "grampeado" é utilizado, permitindo ouvir ou gravar as conversas em curso.

Percebem agora porque a expansão da telefonia móvel me assusta? O pior é pesquisar na internet e encontrar tutoriais ensinando o procedimento. Alguns sites até vendem sistemas parecidos por cerca de 250 euros (veja na página da Flexispy). Ainda não sei, pericialmente, como seria provada a utilização de um sistema desses. Talvez por algum log de instalação de programas maliciosos no aparelho. Talvez demore, mas certamente aparecerão requisições periciais pedindo "constatação de recebimento e utilização de RexSpy ou similares". Aí a chapa vai ferver.



sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Caso Carli Filho: 190 km/h?

Hoje, 7 de agosto, se completa três meses do acidente envolvendo o deputado estadual Fernando Carli Filho (PSB-PR) que ocasionou a morte de dois jovens. O acidente ocorreu em Curitiba (PR) no bairro Mossunguê. Segundo consta, o deputado trafegava pela R. Monsenhor Ivo Zanlorenzi em seu VW/Passat, quando, na altura do cruzamento com a R. Paulo Gorski, colidiu com a traseira do veículo Honda/Fit.

Não tinha grandes detalhes sobre o caso. Tampouco estive envolvido em qualquer exame pericial. Mas recebi por e-mail um vídeo de uma perícia que teria sido "encomendada" por uma das partes envolvidas. O vídeo é um show de mídia. Muito bem feito. Mostra aspectos técnicos do cálculo de velocidade com base em uma gravação de vídeo e nas medições realizadas no local. Confira abaixo:



Quando vi a estimativa de velocidade em 191,52 km/h achei um exagero. Só por esporte, procurei refazer as medições remotamente e rever os cálculos. O vídeo mostra uma cálculo de velocidade média (distância/tempo), estimando o tempo em 1,5 s. A distância foi medida em 79,8 m (veja no tempo 2:45 do vídeo). Refiz a conta e, de fato, deu os 191,52 km/h.

Então, utilizando o fantástico Google Earth, encontrei o local e fiz a medição conforme mostrado no vídeo (está no tempo 2:45). A medida que encontrei foi de 58,2 m. Como não havia maneira de eu estimar o tempo, utilizei os mesmos 1,5 s propostos no vídeo. Refazendo a conta (distância/tempo = 58,2/1,5 = 38,8 m/s) cheguei a um valor de 139,68 km/h de velocidade média no trecho, ou seja, 51,84 km/h abaixo daquela calculada no vídeo.


Ok, alguns podem estar pensando "que diferença faz ele estar a 140 ou a 190 km/h, já que ambas implicam em excesso de velocidade?" Para falar a verdade, pouco me importa. Minha preocupação não é com o desenrolar jurídico do caso, mas sim com os aspectos técnico-científicos envolvidos. De fato, 140 km/h ainda é uma velocidade alta. No entanto, bem diferente dos 190 km/h. Mas confesso: os 190 km/h vendem mais jornal.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Perícia em Desmatamento na Amazônia e seus Aspectos Técnicos

Mais um post do amigo e colaborador PCF Egito.

No arco do desmatamento, conhecido como “Arco de Fogo”, etapas se sucedem a partir da extração madeireira de madeiras nobres e brancas (menos valiosas). Quando não há mais madeiras de interesse econômico, em geral, os donos/posseiros das terras costumam se associar com empreendedores que “valorizam” a terra, abrindo estradas pelas quais percorrem tratores com correntes gigantescas que, ao serem arrastadas, promovem o corte raso removendo tudo que é vivo. Então os galhos secam, são queimados e, posteriormente, dão lugar a pastos (de bois piratas!) ou a máquinas preparam a terra para plantações de arroz/soja.

Imagens de satélite mostrando polígonos de desmatamento (em rosa e roxo) totalizando mais de 30mil hectares no município de Feliz Natal/MT entre os anos de 2007 (esquerda) e 2008 (direita). Note a diminuição da Mata Amazônica (verde) em apenas um ano. Para ter uma noção: O município de São Paulo tem 150mil hectares.

A mata íntegra reflete a luz solar de forma diferente do solo, possibilitando a detecção via satélite das áreas de solo exposto (em rosa na figura acima). O INPE desenvolveu métodos computacionais que detectam esse tipo desmatamento automaticamente através de imagens de satélite (Programa DETER), dados que muitos já conhecem, pois são públicos e a Globo os divulga através de seu Portal Amazônia. Outras formas de degradação menos intensas também podem ser detectadas por métodos de sensoriamento remoto, mas os sensores ópticos, mais difundidos, possuem utilização limitada pelo excesso de nuvens na Amazônia.

A copa das árvores libera um gás chamado “Isopreno”, que cria núcleos de condensação e é apontado como o principal responsável pela grande quantidade de chuvas da Amazônia. Ocorre que, por outro lado, além da menor emissão de isoprenos em áreas desmatadas, as partículas emitidas pelas constantes queimadas (prática agrícola comum na região) retardam ainda mais a formação das nuvens.

Nos municípios que eram pólos de extração madeireira na década de 90 e hoje praticamente não possuem mais mata virgem, há uma sensível mudança climática e seus moradores mais antigos afirmam que o clima está muito mais quente e seco. Muitas cidades amazônicas possuem névoas na época de seca, quando ocorre maior produção de partículas decorrentes dessas queimadas.

Um outro dano ambiental decorrente das queimadas é o empobrecimento do solo. Ao contrário do que pode parecer devido à mata imponente que o cobre, o solo amazônico é relativamente pobre e tem sua maior riqueza associada à matéria orgânica em decomposição. As queimadas oxidam essa matéria orgânica, empobrecendo o solo que, após alguns ciclos de cultura agrícola seguida de queimada, perde seu vigor e, muitas vezes, é abandonado.

Idealmente, um perito ambiental precisa dominar o uso do GPS e de técnicas de geoprocessamento; saber identificar espécies madeireiras, especialmente aquelas em risco de extinção e/ou protegidas por leis específicas como a Castanheira (Bertholletia excelsa); e conhecer a legislação ambiental, afinal nem todo desmatamento é ilegal.

O desmatamento pode ser autorizado por órgãos ambientais, Secretarias de Meio Ambiente, em casos onde não invade áreas de reserva legal (80% do imóvel rural na Amazônia Legal) e/ou Áreas de Preservação Permanente (principalmente em torno de corpos d`água). A extração regular de madeira pode ser feita mediante a elaboração de um Plano de Manejo Sustentável.

Os volumes financeiros envolvidos nessas atividades madeireiras são enormes. Um metro cúbico das madeiras mais nobres chega a valer R$ 3.000,00. Legalmente pode-se extrair 30 metros cúbicos por hectare, quantidade compatível com a regeneração florestal natural. Embora pareça um bom retorno financeiro para um empreendedor que “ganhou” sua matéria prima da natureza, a ganância leva a querer muito mais. Na Amazônia, a grande maioria dos madeireiros recorre a ilícitos em suas atividades e/ou no seu licenciamento.

Adicione a isso uma grande quantidade de posseiros e grileiros que, nesses locais distantes onde ainda há madeira nobre, disputam terras com sangue. Pronto, temos um ambiente muito fértil para a atividade policial e, consequentemente, pericial.

PCF Egito