sábado, 30 de janeiro de 2010

(4 de 4) Programa Nacional de Diretos Humanos e as Questões Administrativas

Por fim, o tal Decreto n.° 7.037/2009 consignou, ainda, questões administrativas, como a necessidade da criação de regulamentação e estatutos de ética aos servidores. Sem dúvidas que estes últimos subitens promovem o fechamento de um grande elo, pois estão intimamente ligados à questão da autonomia da perícia e da dotação orçamentária adequada. Devemos ir além. Cada estado deve buscar a criação da Lei Orgânica de seu órgão pericial, que implicará naturalmente na criação de um estatuto de ética e de uma corregedoria própria, já que, em muitos estados ainda são utilizadas as corregedorias das polícias civis (como ocorre no Estado de São Paulo).

Impendia deixar por último a recomendação para adoção de medidas que assegurem a preservação de locais de crime para a atuação pericial. Muito tem se falado sobre preservação de local crime no meio pericial, já que essa é a “pedra no sapato”. De nada adiantam os conhecimentos técnicos e o aparato tecnológico se os vestígios a serem estudados, interpretados e carreados para o laudo pericial estiverem inidôneos. Quanto mais inidôneos os vestígios, ou seja, quanto mais alterado o local (ainda que não propositadamente), mais o perito se afasta da verdade. O certo é que as medidas a serem adotadas não podem se restringir à edição de normas, já que o próprio Código de Processo Penal preconiza a preservação do local do crime. Há que se trabalhar na formação daqueles profissionais afeitos aos locais de crime (médicos, bombeiros, policiais).

Enfim! Embora muitos itens importantes para a perícia oficial como a “cadeia de custódia” tenham sido preteridos, o Programa Nacional de Direitos Humanos, no que tange à perícia oficial brasileira, nos permite afirmar que o poder público começa a revestir a atividade pericial de um status há muito almejado por aqueles que a vivenciam em seus cotidianos profissionais. Resta saber se veremos a aplicação e concretização de todo o previsto no diploma pois, papéis aceitam quaisquer palavras e palavras podem se perdem ao vento... Ademais, convenhamos, alguém já disse que o Brasil é o país das leis... que não “pegam”.

Robson
Perito Criminal
SPTC/IC-SP

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

(3 de 4) Programa Nacional de Diretos Humanos e a Geração de Conhecimento Pericial

Sabemos que, no Brasil, a quase totalidade do conhecimento científico nasce no interior das universidades. “Fomentar parcerias com universidades para pesquisa e desenvolvimento de novas metodologias a serem implantadas nas unidades periciais” é um caminho natural para a perícia brasileira. Sem dúvidas que a situação ideal seria aquela em que os próprios profissionais tivessem aparato e conhecimento para desenvolver novas tecnologias no interior de seus órgãos pericias. Mas, ao nos lembrarmos dos 120 casos mensais, teremos a certeza de que as parcerias são a melhor opção.

Resta consignar a última ação programática, que é a mais extensa e consiste em “promover e apoiar a educação continuada dos profissionais da perícia oficial, em todas as áreas, para a formação técnica em Direitos Humanos”. Novamente estamos falando de convênios com universidades, centros de treinamento e das próprias instituições de formação (em geral, academias de polícia). Ressalte-se que a atuação do profissional de perícia não deve ser apenas técnica. Deve estar pautada nos Direitos Humanos, lembrando que tais profissionais representam o próprio Estado quando atendem à população.

Ademais, finalmente o poder público tem descoberto que a iniciativa privada possui excelentes princípios de administração esperando para serem aplicados. É por isso que a recomendação atenta para a realização de estudos de reengenharia e gestão, visando à garantia de recursos materiais e humanos para a pronta realização dos laudos pericias (lembra dos 120 casos/mês?) e à continuidade do serviço, a fim de se evitarem prejuízos. Ainda no sentido da continuidade e não prejuízo, quer-se garantir o atendimento universal da perícia oficial, o que demandaria ampliação de unidades em cidades do interior dos estados. Não se trata de problema específico para o Estado de São Paulo, já que não apresenta regiões “descobertas” pericialmente falando. Entretanto, a recomendação é extremamente pertinente para estados com extensa área territorial e pequeno contingente pericial.

Continuaremos tratando do tema no próximo e último post.

Robson
Perito Criminal
SPTC/IC-SP

domingo, 24 de janeiro de 2010

(2 de 4) Programa Nacional de Diretos Humanos, Perícia e suas Ações Programáticas

Diz o Programa Nacional de Direitos Humanos em sua parte que mais interessa aos peritos (já que este blog trata da Ciência contra o crime), que a primeira ação programática é “propor regulamentação da perícia oficial”, o que em nosso ponto de vista está intimamente ligado com a segunda: “propor projeto de lei para proporcionar autonomia administrativa e funcional dos órgãos pericias federais”. Embora pareça que o programa tenha se esquecido dos órgãos periciais estaduais, quem se dispuser a lê-lo, verá que as recomendações vão no sentido de que também os estados garantam orçamento específico (e acrescentaríamos adequado) aos órgãos perícias, bem como autonomia administrativa, financeira e funcional. Apenas uma perícia regulamentada, autônoma e independente poderá estar fortalecida para encontrar a verdade e para querer dizê-la, aqui parafraseando o legista argentino Nerio Rojas.

A terceira ação programática pode parecer, à primeira vista, tanto estranha. “Propor padronização de procedimentos e equipamentos a serem utilizados pelas unidades periciais oficiais em todos os exames periciais criminalísticos e médico-legais.” Poderia o leitor desavisado supor que uma padronização de procedimentos “ataria as mãos dos profissionais”? Sim! Mas temos que entender a padronização de procedimentos como “recomendações” e como “mínimas”. Em tempos de assistentes técnicos atuantes nos processos, estabelecer um roteiro a ser seguido minimiza falhas e maximiza o valor da prova pericial, na medida em que, diante de um questionamento das partes, um bom argumento sempre será: “foram seguidos os procedimentos padrões adequados e recomendados nacionalmente para o caso em tela”. Quanto à padronização dos equipamentos, que festejem os estados da federação com poucos recursos destinados à atividade pericial, pois certamente haverá equipamentos e materiais mínimos a serem utilizados pelos respectivos órgãos.

Ao tratar a seguinte ação programática, é melhor nos determos um instante mais. “Desenvolver sistema de dados nacional informatizado para monitoramento da produção e da qualidade dos laudos produzidos nos órgãos periciais”. É o velho dilema: qualidade ou quantidade? Acusam o sistema atual de privilegiar a quantidade, pois quantidade reflete em estatísticas (que no fundo, no fundo, podem pouco significar), e estatísticas implicam em “supostos resultados”. É difícil exigir qualidade de profissionais que devem elaborar laudos referentes a 120 casos (ou locais) atendidos por mês. Ainda bem que o sistema também vai monitorar a QUALIDADE dos laudos produzidos (só não imaginamos como). A recomendação não é clara nesse sentido pois consignar apenas nomes dos responsáveis pelo caso, relação do material coletado/custodiado e exames requeridos, pode estar fadado a, simplesmente... alimentar estatísticas.

Continuaremos tratando do tema nos próximos posts.

Robson
Perito Criminal
SPTC/IC-SP

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

(1 de 4) Programa Nacional de Diretos Humanos e os Recentes Avanços Periciais

Nos últimos dias, estive conversando com o amigo e colega Robson acerca das implicações à perícia criminal do Programa Nacional de Direitos Humanos. O diálogo foi deveras proveitoso. Tanto que palpitou a ideia de publicar algo neste singelo blog tratando do tema com posts assinados pelo perito Robson. Será uma serie de quatro posts com a temática. Esse blog ganha, portanto, mais um colaborador!

Recentemente, tem sido observada grande repercussão na mídia em razão da publicação do Programa Nacional de Direitos Humanos, através do Decreto n.° 7.037 de 21 de dezembro de 2009. Imprensa, especialistas, associações privadas e até membros do próprio governo têm se revezado entre notas de apoio e duras críticas às propostas, principalmente no que tange ao período de exceção vivido pelo país, o que, inclusive, já levou nosso presidente a rever alguns de seus pontos.

Embora o programa seja amplo, é certo que quando se fala em Direitos Humanos, por sua própria natureza, podemos ser imediatamente remetidos a tratar de Segurança Pública. De fato, “Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência” constitui o quarto eixo orientador do programa, subdividido em sete diretrizes, dentre as quais, merece destaque a “prevenção da violência e da criminalidade e profissionalização da investigação de atos criminosos”, esta última ainda segmentada em seis objetivos estratégicos.

Ora, é inegável que a profissionalização da investigação deve decorrer da aplicação de conhecimentos científicos, com técnicas e procedimentos padronizados em todos os estágios dos procedimentos de polícia judiciária, mormente na produção da prova pericial. A diretriz em foco tem por um de seus objetivos estratégicos a “produção da prova pericial com celeridade e procedimento padronizado”. Trata-se de um grande passo que deve se aliar a tantos outros advindos da atual política do Governo Federal, como a 1.ª Conferencial Nacional de Segurança Pública e os investimentos que têm contemplado a modernização das estruturas policiais tanto em seus equipamentos quanto na formação continuada dos agentes.

Durante muitos anos a Perícia brasileira lutou como pôde (com alguns abnegados profissionais) por melhores estruturas físicas, formação continuada, remuneração digna, acesso a tecnologias, pessoal, reconhecimento, autonomia, entre tantos outros itens que os colegas de labuta poderiam muito bem enumerar.

Embora possa parecer uma apologia ao “nunca antes na história deste país”, os primeiros passos firmes estão sendo dados apenas agora, em pleno século XXI, com a criação de vários projetos, alguns deles já sancionados e transformados em lei, tratando de temas que vão do reconhecimento da autonomia pericial até criação do dia do Perito Criminal.

Continuaremos tratando do tema nos próximos posts.

Robson
Perito Criminal
SPTC/IC-SP

sábado, 16 de janeiro de 2010

Enfrentando o tráfico de drogas: uma nova perspectiva

Já dizia um grande professor que tive em minha graduação: quando não encontrar a solução no lugar esperado, explore os locais inesperados. Em post anterior falamos sobre as altas taxas de homicídio registradas no Brasil. É sabido que, em certas regiões de nosso país, tais frequências de morte estão relacionadas ao tráfico de drogas. Diversas estratégias já foram testadas visando controlar o tráfico, mas poucas trouxeram resultados positivos. Por que as políticas públicas neste quesito não têm dado resultado? Será que estamos com o foco no problema quando deveriamos focar a solução?

É provável que sim. Mas focar a solução é pensar de uma maneira diferente. É explorar o inesperado. E essa caminho pode ser turbulento. Vejamos... como, a exemplo, conceitos econômicos e prostituição podem ajudar no enfrentamento ao tráfico? Stephen Levitt e Stephen Dubner, autores do livro SuperFreakonomics, responderam a essa pergunta. Analisemos, inicialmente, a prostituição.

O meretrício é uma atividade em franca decadência quando analisada retrospectivamente. Nas últimas décadas, o feminismo derrubou a remuneração por esta prestação de serviço e, consequentemente, o número de profissionais do sexo declinou. Mas por que o feminismo? Porque tal discurso criou gerações de mulheres contemporâneas e independêntes que, praticando a política do "sexo sem compromisso" e de graça, impuseram certa concorrência desleal às que antes cobravam pelo serviço.

No passado, a demanda nos "serviços sexuais" era alta e a oferta era pequena. Com isso, os salários das prostitutas eram altos (em 1910, uma prostituta de Chigado ganhava entre US$6000,00 e US$35000,00 em valores atuais). Isso incentivava mais garotas a se prostituirem, aumentando a oferta. E assim o mercado se autoregulava pela boa e velha economia de mercado (lei da oferta e procura).

Como dito, a prostituição está em decadência. Mas por que isso tem ocorrido? Já vimos que por redução demanda. Entretanto, se a prostituição fosse criminalizada, o meretrício desapareceria? Seguindo a econimia de mercado, a resposta seria não, pois não adianta prender quem oferece o serviço. Quanto mais meretrizes saem de circulação, menor fica a oferta. Sobem, portanto, os preços e quanto mais as prostitutas ganham, mais atraente a labuta e, portanto, mais meninas debutam na profissão.

A solução, neste exemplo, seguindo a tal lei da oferta e procura, seria reprimir os clientes. Assim, cairia a demanda, em vez da oferta, e a prostituição seria abalada. A demanda da prostituição já foi reduzida, como explicitado, mas por um mecanismo diverso do repressivo.

Interessante notar que um raciocínio semelhante pode ser aplicado ao tráfico de drogas. Quanto maior o número de traficantes presos, menor a oferta e, portanto, maior é a renda dos traficantes que restam no mercado. Quanto maior a renda de um traficante, mais tentadora se torna tal atividade, subrepondo os riscos a ela inerentes. Então, como o ideal não é reduzir a oferta, mas reprimir a demanda, a preseguição deveria ser ao usuário de drogas.

No entanto, não parece ter sido este o raciocínio do legislador, pois a legislação vigente (Lei Federal 11343/06) vai na contra-mão do que foi aqui discutido. Referida lei, quando comparada às anteriores (Leis 6.368/76 e 10.409/02), aponta para a descriminalização do uso quando pôs fim à pena de prisão ao usuário. Além disso, tal diploma alterou a punição dos traficantes, aumentando a pena de prisão para esta ativiade (em vez de 3, a mínima passou a ser de 5 anos).

Em suma, usando conceitos de economia, para reduzir o problema das drogas, deveriamos reprimir o usuário em detrimento do traficante. Mas nossa lei de drogas previlegia o usuário e qualifica o trafico. E agora, José?

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Brasil, meu Brasil brasileiro...

É duro, mas é verdade. O Brasil é uma tremenda sala de aula para aqueles que querem se especializar em locais de crimes contra a pessoa. Sim, nobres leitores, pois este Brasil varonil possui uma das mais elevadas taxas de homicídios de todo o planeta azul. E estes dados estão a pairar pela internet. Basta analisá-los e chegar a tais conclusões.

Por exemplo: em 2005, cerca de 55mil pessoas morreram vítimas de homicídio no Brasil. Parece pouco? São mais mortes que três anos de guerra no Iraque. É para se pensar, não?

Em janeiro de 2008, a Rede de Informação Tecnológica Latino Americana (RITLA), o Instituto Sangari, o Ministério da Saúde e o Ministério da Justiça lançaram o “Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008”. Com base nas informações deste mapa e de dados semelhantes de outros países, o Brasil foi colocado entre os 20 países com maiores taxas de homicídio por habitante. Entre 2000 e 2009 essa taxa variou entre 25,7 e 28,9 para cada 100mil habitantes.

Dentre os países em desenvolvimento do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil é o que apresenta as piores taxas de homicídio. Em 2009, os índices desses países foram: China 2,36, Índia 2,88 e Rússia 16,5. No mesmo período, o Brasil apresentou 25,7 homicídio/100mil hab.

Considerando os países sulamericanos em desenvolvimento não é muito diferente. Os chilenos apresentaram uma taxa de 1,6, os argentidos, 5,27 e os uruguaios, 4,3. Ao menos ainda estamos melhores que Colômbia (32,0) e Venezuela (52,0).