sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Receita do dia: Picadinho de dinheiro

Em Taiwan, uma Perita Criminal teve acesso a uma sacola com dinheiro que havia sido picotada por engano numa fábrica. Determinada e perfeccionista como um bom Perito deve ser, a colega de Taiwan passou uma semana remontando as cédulas. As notas valiam mais de R$11.000 e tiveram que ser aceitas como autênticas por estarem mais de 75% recuperadas, conforme a lei de Taiwan. A notícia foi publicada na BBC News (aqui).



Certo dia, montei um quebracabeças de 5mil peças sem ganhar um tostão! rs

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O novo Real: 1, 2, 3, valendo!

No dia 5 de fevereiro, divulgamos aqui como seriam as novas cédulas de dinheiro brasileiras, a "Segunda Família do Real".

Hoje, as novas cédulas de R$50 e R$100 serão lançadas oficialmente. Conforme nota do Banco Central, somente em 2011 teremos as novas notas de R$10 e R$20, restando para 2012 as notas de R$5 e R$2.

A pergunta é: será que as notas de R$2,00 vão valer alguma coisa em 2012?!

Para quem deseja mais informações, inclusive sobre os novos elementos de segurança, o Governo Federal divulgou o portal www.novasnotas.bcb.gov.br que, bizonhamente, ainda se encontra "EM CONSTRUÇÃO" até o momento!!!

Ai que vergonha!
Coitado do estagiário! rs

sábado, 11 de dezembro de 2010

Comando Vermelho em Roma?!

Esta semana recebi um email dizendo que o craque Adriano jogou a última partida no Roma (ITA) com a camisa de número 105 [figura abaixo]. Questionado por repórteres, teria dito que era uma "mensagem codificada para alguns amigos que estão passando por problemas". O email destaca que 105 em algarismos romanos é CV (C=100 e V=5), associando o jogador ao Comando Vermelho e concluindo que ele seria um "marginal"!


Certamente muitas pessoas receberam esse email. Ocorre que Perito é uma raça curiosa e tenta olhar com outros olhos. Abri a figura num editor de imagens e apliquei sucessivos filtros de nitidez, resultando na imagem abaixo, onde se pode ver bastante destacado o "105". A forma como se destacaram os numerais é um claro indício de que estes algarismos não coadunam com o resto da imagem e que, portanto, foram adicionados por meio de montagem fotográfica.


Ademais, quando se observa mais de perto, é possível notar ainda incoerências quanto ao sobreamento. A sombra da camiseta não é contínua no numeral "5", mostrando mais uma vez que houve adição de elementos a figura original.

Atrás do anonimato da internet, os usuários muitas vezes se sentem livres da necessidade de seguir regras de convivência social. Ocorre que acusar uma pessoa de associação ao trafico com base em elementos sabidamente falsos constitui crime de "Calúnia".

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
(Código Penal)

O jogador Adriano, portanto, se sentir ofendido com o email, pode encaminhar uma notícia crime a Polícia e a Autoridade Policial certamente diligenciará no sentido de solicitar Quebras de Sigilos, Mandados de Busca e Apreensão, e Perícias Criminais Oficiais para rastrear a mensagem e comprovar a autoria e materialidade deste crime.

Pessoalmente, acho que o caso poderia ser resolvido e divulgado como exemplo. A repercussão de crimes como estes são oportunidades de realizar um trabalho técnico-policial educativo para ensinar a certos "marginais" (estes sim!) a respeitarem nossos ídolos e, acima de tudo, os seres humanos que estão do outro lado da telinha.

Força Adriano!

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

DNA e a Reconstrução de um Suspeito



Quando se fala na criação de Bancos de Dados de Perfis de DNA, muita gente ainda fica com medo de sua privacidade. Há um temor de que dados privados como a predisposição a certas doenças possam vir a ser utilizados no futuro por empresas, seguradoras de saúde por exemplo, para discriminar as pessoas. É uma visão relativamente comum entre os leigos.

Embora as células epiteliais da parte interior da bochecha sejam bastante diferentes das células sanguíneas, elas compartilham praticamente o mesmo material genético e o que muda são somente os genes codificadores que estão "ligados" ou "desligados" em cada uma delas. Assim, a partir de diversas células do corpo humano, é possível recuperar o Perfil de DNA de um indivíduo.

Ocorre que os marcadores moleculares utilizados para identificação de Perfis de DNA (DNA fingerprinting) são provenientes de genes que ficam "desligados" o tempo todo, ou seja, não estão diretamente relacionados a características fenotípicas. Não há riscos para a privacidade visto que nem todo o nosso DNA codifica genes e apenas uma parte dos genes codificados correspondem a características que podemos identificar no fenótipo, como por exemplo a pigmentação dos olhos e da pele.

Pesquisas relativamente recentes vem identificando que pequenas mudanças no DNA celular correspondem as diferentes características físicas das pessoas. Já se pode, por exemplo, identificar a cor natural dos olhos de um suspeito a partir de uma gota de sangue encontrada no local do crime. Veja aqui o estudo científico.

Outra sacada inteligente foi divulgada essa semana na revista científica especializada Current Biology: Estimar a idade de um suspeito através de seu material genético! O estudo mostra que isso é possível através da caracterização dos rearranjos de DNA que ocorrem nos receptores dos Linfócitos T, células de defesa do nosso organismo.

Lembro que o fenótipo (aparência física) é resultante da interação do genótipo (DNA) com o meio ambiente e que as pessoas podem pintar cabelos, fazer bronzeamento artificial, fazer botox, cirurgias plásticas, usar lentes de contato, etc... mas o leitor tem que concordar comigo que é realmente fantástico obter tanta informação assim a partir de uma gota de sangue.

Imagina um homicídio em Macapá onde só há uma gota de sangue como vestígio. Inicialmente, temos 350mil suspeitos! O sangue foi identificado como AB- (ocorrência de 1%), isso já reduz o universo a 3500 suspeitos. Digamos que, excluindo a metade pelo tipo sanguíneo no Sistema MN, restem cerca de 1750. Pelo sexo masculino, determinado pela presença do cromossomo Y, teremos uns 900 suspeitos. Segundo o Wikipédia, apenas 0,8% são amarelos/asiáticos em Macapá, restando assim 7 suspeitos. Destes, somente dois possuem olhos azuis e cerca de 60 anos! Já fica viável convidá-los para uma identificação mais segura através do Perfil de DNA. Pronto cabou! Caso resolvido, todo mundo feliz e pedindo pra aumentar o salário do Perito Biólogo! :)

PS: Navegando por aí, achei uma revisão interessante sobre o tema feita pela estudante brasileira Diana Lima.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Parabéns aos Peritos Criminais Oficiais!!!

O Blog Ciência Contra o Crime parabeniza os Peritos Criminais Oficiais pelo seu dia. A data de 04 de Dezembro foi instituída como Dia Nacional do Perito Criminal pela Lei 11.654 de 15 de abril de 2008 e vem sendo comemorado por todo o Brasil com eventos de divulgação pericial e confraternizações pelas associações.

É dia de reconhecer a importância do trabalho pericial e divulgá-la a sociedade. Aos colegas que lutam contra as dificuldades diárias em busca da produção de provas materiais sólidas, nossos leitores, deixamos aqui nossa homenagem por este dia.

Atenciosamente,
Equipe do Ciência Contra o Crime

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Poker Pericial

Afinal, Poker é ou não é um jogo de azar? Essa pergunta é de veras relevante, pois tipifica ou não a modalidade como uma contravenção penal. Será que a perícia pode ajudar a resolver essa questão?

É de meu conhecimento que há um laudo do Instituto de Criminalística de São Paulo afirmando que o jogo de Poker na modalidade Texas Hold'em não configura jogo de azar. Não li o laudo, mas adoraria ter acesso ao raciocínio utilizado pelos colegas para chegar a essa conclusão. Segundo o Clube do Poker, os doutores Willian do Amaral Jr. e Karla Horti Freitas assinam o laudo e sua conclusão é que “Trata-se de um jogo de habilidade, pois ficou constatado que a habilidade do jogador que participa desta modalidade de jogo, depende da memorização, das caracteristicas (número e cor) das figuras apresentadas no decorrer do jogo e do conhecimento das regras e estratégia em função desses fatores, sendo porém, resultado final desta modalida de jogo aleatório”.

Também soube que há um parecer do famigerado Ricardo Molina que demonstra matematicamente que a modalidade não depende exclusiva ou principalmente da sorte e que, portanto, não seria jogo de azer. Também adoraria ver esse cálculos.

Pois bem. Não sou jogador de poker e tive de recorrer a quem conhece as regras do Texas Hold'em para entender a dinâmica do jogo. Em primeira análise, me parece que, de fato, a habilidade do jogador é importante. Saber quando é a hora certa de permanecer na pertida, de deixá-la ou de blefar não é tão simples quanto parece. Mas isso não prova nada. Conversando com alguns entendidos, percebi que há uma forma de se ter uma idéia da importância da habilidade para o jogo. Seria uma abordagem diferente das citadas pelos sites especializados, mas cujo resultado seria no mínimo interessante. Pensei: se o tal jogo só depende da sorte do caboclo, então os resultados dos campeonatos não devem ter nomes repetidos com frequencia, já que ganhar aleatoriamente mais de uma vez não é lá muito provável.

Assim, observei os nomes dos 20 primeiros colocados dos seguintes torneios:

40th Annual No-Limit Holdem 2009
World Championship Seven Card Stud
World Championship Mixed Event
World Championship Omaha HL/8 or Better
World Championship NL 2-7 Draw Lowball
World Championship Heads Up NL Hold'em
World Championship Limit Hold'em
World Championship Seven Card Stud H/L-8
World Championship Pot-Limit Omaha
World Championship Pot-Limit Hold'em
World Championship H.O.R.S.E.
World Championship NL Texas Hold'em

A média de participantes foi de 715 pessoas, o que reforça a possibilidade improvável de pessoas serem classificadas nos primeiros lugares muitas vezes aleatoriamente.

O fato é que, analisando essas listagens, percebi que os nomes de 26 competidores se repete uma vez entre os primeiros colocados. São eles: Alec Torelli, Andrew Lichtenberger, Ben Lamb, Billy (patrolman35) Kopp, Chau Giang, Daniel Alaei, Daniel Negreanu, David Chiu, Doyle Brunson, Erik Seidel, Greg Mueller, Howard Lederer, Huck Seed, Isaac Haxton, Jeffrey Lisandro, John Kabbaj, Matthew Hawrilenko, Max Pescatori, Michael Binger, Nathan Doudney, Noah Schwartz, Pat Pezzin, Ray Dehkharghani, Soheil Shamseddin, Todd Brunson e Tony (Tony G) Guoga. Quatro competidores estiveram entre os primeiros em três oportunidades (Vitaly Lunkin, Mike Wattel, Justin Smith e Matt Glantz) e uma pessoa manteve-se entre os melhores em cinco oportunidades (Ville Wahlbeck).

Pergunto: qual a probabilidade desses indivíduos estarem entre os primeiros mais de uma vez aleatoriamente? Fiz algumas continhas para ter uma ideia de qual a chance desses indivíduos supra citados estarem entre os primeiros 2x, 3x e 5x como descrito e cheguei a surpreendente probabilidade de 2,40133E-16 (ou seja, 2,40133 vezes 10 elevado a -16). É difícil imaginar o quão pequeno é esse valor, mas fica mais fácil quando o comparamos com a probabilidade de acertar as seis dezenas da megasena. Ao fazê-lo, concluimos que a probabilidade de ganhar na megasena é 115,5 mil vezes maior que a de participantes estarem entre os primeiros 2x, 3x e 5x como descrito.

Não estou certo se isso prova alguma coisa, mas é um bom indício (lembra o que é indício?) de que o Poker Texas Hold'em não depende exclisivamente da sorte. Ao menos quando se trata de jogadores que tem certo traquejo com o jogo como aqueles que participam de torneios desse tipo.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...

Muito se discute sobre a (remota) possibilidade de extinção dos órgão periciais em favor dos setores de análise pericial do Ministério Público (MP). Particularmente, acho essa hipótese uma verdadeira aberração jurídica: como o MP, parte do processo, supriria provas pericias a uma corte? Em tese, no foro penal, essa labuta cabe aos auxiliares da justiça e não à(s) parte(s).

Nesses termos, a Quinta Turma do Superior Tribuna de Justiça (STJ) decidiu o que segue abaixo. Ao que parece, essa "coisa mais linda, mais cheia de graça" é um direcionamento jurisprudencial em favor da (óbvia) manutenção dos órgãos periciais. Observem:

Quinta Turma

LAUDO PERICIAL. CRIPTOANÁLISE. DESENTRANHAMENTO. AUTOS.

A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus para reconhecer a ilicitude do laudo pericial de criptoanálise e determinar o desentranhamento dos autos. Esse laudo é uma interpretação sofisticada de anotações codificadas constantes em agenda, contudo realizada de forma unilateral pelo MP. Segundo o Min. Relator, o habeas corpus pretendeu, em síntese, o reconhecimento da ilicitude de laudo pericial de criptoanálise produzido por profissional ligado ao MP (órgão acusador) sem a participação do réu ou do magistrado. Destacou ainda que, embora a prova tenha sido produzida na vigência do art. 159 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 8.862/1994, tanto o texto anterior quanto o atual da Lei n. 11.690/2008 exigem que a perícia seja feita por perito oficial, distinguindo-se apenas quanto à quantidade de técnicos necessária para a realização dos exames. No caso, a busca e apreensão da agenda cuja perícia se contesta foram realizadas em 28/11/2007, ocasião em que foi apreendida em poder do paciente acusado de envolvimento em crimes contra a ordem tributária, de lavagem de dinheiro e de quadrilha. No entanto, a criptoanálise da agenda só ocorreu em 19/8/2008, quando já em curso o processo criminal. Assim, observou o Min. Relator que não se trata de perícia feita durante a fase policial tampouco feita em situação de urgência diante do risco de desaparecimento dos sinais do crime ou pela impossibilidade ou dificuldade de conservação do material a ser examinado. Dessa forma, explicou que a perícia foi realizada sem observância dos postulados do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, já que produzida por servidora que compõe o quadro do MP em vez de órgão destinado exclusivamente à produção de perícias. Ademais, asseverou que foi produzida sem que houvesse autorização, controle judicial ou mesmo possibilidade de a defesa ofertar quesitos, de nomear assistente técnico, ou de manifestar-se sobre a eventual suspeição ou impedimento do perito, de acordo com o disposto no art. 159, §§ 3º e 5º, do CPP. Para a tese vencida, primeiro não houve impugnação da perícia pelos meios próprios da defesa, mas em habeas corpus como substitutivo processual. Por outro lado, considerou que a iniciativa do MP de juntar o laudo técnico com as interpretações da agenda regularmente apreendida em diligência não constitui a prova pericial prevista no art. 159 do CPP, nem tem valor de prova produzida sob direção judicial, seria apenas oferta de documento da parte, ou seja, prova extrajudicial legalmente admissível. Não seria, portanto, caso de desentranhar o laudo dos autos por considerá-lo ilícito ou inválido, sem que o juiz primeiro apreciasse seu valor, segundo sua livre avaliação das provas, isso antes do encerramento da instrução processual ou das alegações finais, ocasiões em que seria possível verificar se houve prejuízo à defesa. HC 154.093-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 9/11/2010.

Fonte: http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/doc.jsp (Número: selecione o 455)

domingo, 21 de novembro de 2010

Simpósio estuda modelos de produção de prova pericial

Em parceria com a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal e o Ministério da Justiça, a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) promoverá nos dias 16 e 17 de novembro, em Brasília, o Simpósio “Estudos comparados de modelos de produção de prova pericial”. Além da integração entre membros do MP e profissionais da área de perícia, a atividade tem como objetivo discutir e apresentar no Brasil, sob a perspectiva da cooperação internacional, experiências de órgãos e serviços forenses correlatos da Europa e dos Estados Unidos.

O seminário oferece ao todo 100 vagas. Metade será sorteada eletronicamente entre membros e servidores analistas dos quatro ramos do MPU. Os demais participantes serão indicados pelo Ministério da Justiça. A ESMPU custeará as despesas com transporte, hospedagem e alimentação para 20 membros do MPF, cinco membros do MPM e um membro do MPT que estejam lotados fora da capital federal (confira a distribuição de vagas).

Com 12 horas-aula, a programação será distribuída em três painéis temáticos, ministrados por profissionais estrangeiros especializados em tecnologias forenses, biometria, recolhimento, preservação e interpretação de evidências materiais. Além da experiência na produção da prova pericial nos Estados Unidos e nos Países Baixos, os participantes assistirão a painel sobre perícia das vítimas da série de crimes ocorridos em maio de 2006 no estado de São Paulo.

Os interessados deverão inscrever-se até as 18h do dia 10 de novembro, pelo endereço www.esmpu.gov.br, link “Inscrições”. Participantes com frequência integral no simpósio receberão certificado emitido pela ESMPU.

Outras informações podem ser obtidas com a Central de Atendimento ao Usuário da Escola, pelo e-mail inscricoes@esmpu.gov.br.

Quando: 16 e 17 de novembro
Onde: Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) – Av. L2 Sul, Quadra 604, Lote 23 – Asa Sul – Brasília (DF)
Vagas: 100 (distribuídas conforme o edital)
Inscrições: até as 18h do dia 10 de novembro
Informações: inscricoes@esmpu.gov.br

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Sim, eu sei, o evento já aconteceu. Mas o colega goiano Carlos Kléber da Silva Garcia compareceu ao evento e postou suas impressões no Fórum Nacional de Perícia Criminal (FNPC). Pedi sua autorização para postá-la aqui. Ei-la:

Prezados Peritos Criminais Brasileiros,
nesta semana, entre os dias 16 e 17 de novembro, participamos do simpósio "Estudos comparados de modelos de produção de prova pericial", em Brasília - DF. O evento foi promovido pela Escola Superior do Ministério Público da União em parceria com a SENASP, sendo que esta última convidou todos os dirigerentes de órgãos periciais para participarem do evento.
Gostaria de compartilhar com vocês minha análise crítica sobre o evento.

Painel I - A produção de prova pericial: experiência norte-americana
Palestrante - Chris Asplen, Gordon Thomas Honeyewll

Minha opinião: o palestrante não falou sobre o modelo de produção de prova pericial dos Estados Unidos. Sua fala foi sobre a importância do DNA como prova pericial, colocando-a como a mais importante das provas periciais. Ele também falou da importância dos bancos de perfis genéticos. Ele ressaltou que viaja pelo mundo divulgando a importância da prova de DNA. Acreditamos que ele seja patrocinado por alguma empresa que venda insumos para os exames de DNA.

Painel II e Painel III - A produção de prova pericial: experiência na Holanda
Palestrantes:
Richard Koning, Instituto Forense da Holanda
Judy van Overveld, Instituto Forense da Holanda
Dennis Boon, Perito Forense da Holanda
Ben van der Krabben, Promotor Forense da Holanda

Minha opinião: as palestras foram excelentes. Os palestrantes apresentaram um caso de sucesso: o Instituto Forense da Holanda. O órgão é público mas tem uma gestão comparável a uma instituição privada que trata os requisitantes (polícia, ministério público e juízes) como clientes. Eles têm uma política de qualidade total, busca pela excelência, grupos de pesquisa, treinamento continuado etc, etc, etc... É o próprio CSI da televisão! Para conseguir atender a todas as requisições em tempo hábil e com qualidade total, eles limitaram o número de requisições que podem ser atendidas por ano. Assim, eles somente atendem dentro de sua capacidade de atendimento. Os requisitantes podem fazer requisições até completar a quota anual. O que passar da quota deverá ser direcionado a outros órgãos periciais públicos ou privados dentro ou fora da Holanda. Acredito que este é o modelo preferido pela SENASP, inclusive serviu de inspiração para os nomes "perito forense", "perícia forense" e "instituto nacional de perícia forense", nomes amplamente utilizados pela SENASP quando se refere às perícias criminais no Brasil. O modelo é realmente muito bom e funciona mesmo, mas penso que não deveria ser copiado na íntegra pelo Brasil. O Instituto Forense da Holanda é um órgão único (a Holanda é país pequeno), autônomo, independente, ligado ao Ministério da Justiça. Mas o órgão ainda é muito ligado à polícia, sendo que vários peritos vieram da polícia (pelo menos foi isso que eu entendi). O Instituto Forense da Holanda fuciona como um laboratório central, como o INC no Brasil. O IFH recebe material de diversas partes da Holanda para ser periciado. Agora vejam o detalhe: quem recolhe o material na cena do crime é a polícia! Não são os peritos do IFH! A polícia é que é responsável pela coleta de vestígios na cena do crime! Eventualmente, nos casos de maior repercussão, os peritos forenses vão à cena do crime para ajudar a polícia na coleta dos vestígios! Como fica a cadeia de custódia neste caso? Os peritos validam tudo que chega para ser examinado? Eu penso que o modelo brasileiro, onde o perito criminal vai até o local é o mais apropriado. Mas o modelo de gestão do laboratório central deles é realmente fantástico de deve servir de exemplo para nossos laboratórios! Outro ponto que também não concordo é com a denominação de perito forense, perícia forense e instituto forense. Eu continuo defendendo a tese de que no Brasil os nomes mais consagrados e apropriados são: perito criminal, perícia criminal e polícia científica.


Painel IV - Caso Isabela Nardoni
Palestrante - Perita Criminal Rosângela Monteiro - SPTC - SP

Minha opinião - a palestrante apresentou o caso clássico mais recente de sucesso da perícia criminal brasileira, onde trabalharam vários peritos criminais, durante vários dias, com o uso de técnicas e equipamentos de última geração. O médico legista que atendeu a corrência também participou da palestra, informando que esteve no local e que três médicos trabalharam na necropsia. Foi uma verdadeira aula de medicina legal. Muito bom mesmo. Os palestrantes não entraram no mérito do modelo pericial brasileiro.

Painel V - A perícia das vítimas dos crimes de maio de 2006 em São Paulo
Palestrantes:
Sérgio Suiama - Procurador da República em São Paulo
Renata Lira - Advogada da ONG Justiça Global

Minha opinião - os palestrantes apresentaram relatos de vários crimes que não foram devidamente investigados em São Paulo e em outros estados, incluindo casos em que supostamente teria havido participação de policiais, onde a investigação foi mal conduzida e, talvez em função disto, os exames periciais não foram solicitados e/ou não foram realizados a contento. A dúvida que ficou no ar foi: a perícia do caso Isabela foi uma exceção ou todas as perícias de São Paulo seguem o mesmo padrão de qualidade? E o que dizer dos exames periciais no restante do Brasil, como está a qualidade?

Conclusão

Percebemos que, apesar do tema do simpósio ser "Estudos comparados de modelos de produção de prova pericial" tivemos apenas a apresentação do modelo da Holanda. Acreditamos que faltou serem convidadas outras instituições para apresentarem seus modelos, como por exemplo, a Polícia Científica da Espanha. O evento também careceu de oportunidades para debates. Ao final de cada painel era possível fazer perguntas sobre os temas apresentados e, ao final do evento, todos os palestrantes voltaram para a mesa para responder a novas perguntas, a isso se chamou de debate. Mas não houve tempo para um debate verdadeiro sobre modelo pericial brasileiro em comparação com outros modelos mundiais, de forma que pudéssemos discutir as vantagens e desvantagens de cada modelo, visando traçar um projeto para o Brasil. Acho que a SENASP e o MPU ainda estão devendo um seminário desta natureza. Por falar em MPU, no auditório estavam presentes peritos do MPU. Eu perguntei a um membro do MPU sobre a função dos "peritos". Ele me respondeu com a maior naturalidade que eles funcionam como assistentes técnicos nas ações oriundas de inquéritos que tenham exames periciais e que também funcionam como peritos em todas as outras ações do MPU que são de iniciativa própria do MPU, ou seja, não são oriundas de inquérito policial. Eu perguntei se eram ações civis públicas. Ele me respondeu que eram ações civis e criminais, sendo estas últimas principalmente nas áreas de meio ambiente, crimes financeiros e informática. O membro do MPU acrescentou que apenas 13% dos inquéritos da Polícia Federal que chegam ao MPU efetivamente dão origem a um processo judicial. E destes 13%, nem todos os inquéritos tem perícia (ele elogiou as perícias feitas pelos peritos federais). Ele completou dizendo que 100% das ações de iniciativa do MPU contam com perícias que são realizadas pelos seus peritos! Em Goiás, o MPGO também tem um grupo de inteligência e investigação, cujo nome é CSI! Eles contam com vários peritos nas áreas de informática, contabilidade e meio ambiente, além de outras. Sendo que estas são as áreas mais carentes da nossa perícia estadual. Vou resumir a história para vocês:

Os peritos do Ministério Público Federal e dos Estados são uma realidade e atuam na esferam criminal, ao arrepio do CPP, e ninguém está contestando. Os juízes estão aceitando normalmente. Eles representam um perigo real e concreto para a nossa categoria muito mais sério que a questão dos papiloscopistas. Os peritos do MP estão inseridos em um órgão extremamente organizado e que possui autonomia funcional, administrativa e financeira. Os peritos do MP recebem bons salários (comparados aos peritos estaduais) e possuem acesso a treinamentos e equipamentos que muitas perícias estaduais não têm. O número de peritos do MP cresce a cada dia em todo o país e trabalham dentro de um padrão de qualidade igual em todos os estados. Um membro do MPGO me revelou que faz parte do planejamento estratégico do MP não depender mais da perícia estadual para subsidiar as ações do MP, uma vez que a demora dos laudos torna inviável aguardar as perícias. Eles já estão investigando e fazendo as perícias! O que será das polícias judiciárias e das perícias criminais em futuro próximo, daqui a dez anos por exemplo?

Eu acho que está na hora dos peritos criminais brasileiros repensar sua atuação e organizar com urgência um planejamento estratégico para ser executado nos próximos anos, com o objetivo de se tornarem uma instituição forte e essencial à justiça! Penso que este caminho passa necessariamente pela criação da Polícia Científica Federal e Estadual, pelo fortalecimento do cargo de Perito Criminal, pelo fim de todos os outros peritos (que poderão ser incorporados pela Polícia Científica ou não) e, talvez, pela atuação da polícia científica tanto nas esferas criminal e cível. E ainda, penso que talvez passe também pela criação de um corpo auxiliar de nível técnico que auxiliariam os peritos criminais em suas atividades, colocando o perito criminal na função de coordenador da função pericial, como hoje fazem o Delegado, o Juiz e o Promotor, evitando que muitos peritos criminais sejam alocados para fazer funções que não exigem conhecimentos técnicos, como é hoje.

Essas eram as minhas opiniões. Agradeço aqueles que tiverem paciência para ler este e-mail até o final e agradeço mais ainda aqueles que emitirem suas opiniões críticas sobre o que aqui foi postado.

Att.,

Carlos Kleber
SPTC-GO

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ainda sobre a profissão de Perito Criminal

No último dia 14, o portal G1 colocou no ar uma matéria sobre a profissão de Perito Criminal na seção Concursos e Emprego. A matéria se chama Perito do caso Isabella conta como é a profissão: 'Não pode se emocionar' e está disponível no link (basta clicar sobre o nome da matéria).

A reportagem, entretanto, traz um dado errôneo: "Em São Paulo, a Polícia Científica tem 3,2 mil funcionários – dos quais 1,1 mil são peritos. A cidade tem 11 milhões de habitantes. São, portanto, 10 mil habitantes para cada perito." Onze milhões é a população da Capital e somos 1,1 mil peritos em todo o estado, ou seja, são, portanto, 37,3 mil habitantes para cada perito (considerando uma população de 41 milhões no estado).

terça-feira, 9 de novembro de 2010

"Operação de Risco" mostra o trabalho do IC/SP

O programa Operação de Risco, apresentado no último dia 02/11 na RedeTV, mostrou um pouco do trabalho pericial do Instituto de Criminalística de São Paulo. Eis os links:


Veja como os peritos analisam objetos e substâncias presentes nos locais dos crimes.

Acompanhe a coleta de material em um quarto de hotel, onde um homem tentou se matar com uma faca.

Equipe do IC descobre possível envolvimento de vítima em tentativa de suicídio com drogas e álcool.

Siga os especialistas da polícia científica em mais um caso: uma senhora foi encontrada morta em sua casa!

Entenda como a análise laboratorial faz parte do processo de investigação.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Clipping Pericial (Outubro/2010)

Algumas notícias envolvendo perícia do mês de Outubro/2010.



O Ministério Público Eleitoral (MPE) reapresentou na Justiça a denúncia de falsificação contra o candidato a deputado federal Tiririca (PR). O promotor Maurício Antonio Ribeiro Lopes se baseia em laudo do Instituto de Criminalística expedido nesta tarde. O estudo aponta “artificialismo gráfico” na declaração apresentada pelo candidato ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TER-SP) afirmando que sabe ler e escrever. Na ausência de um comprovante de escolaridade, como é o caso de Tiririca, o candidato deve apresentar uma declaração de próprio punho dizendo que sabe ler e escrever.



A Secretaria Nacional de Segurança Pública entrega novos equipamentos às unidades periciais estaduais. A Bahia representada por Raul Coelho Barreto Filho, Diretor do Departamento de Polícia Técnica, receberá 2 microcomparadores balístico, 10 maletas para local de crime, 1 cromatógrafo gasoso com espectrômetro de massa, um dispositivo de luz forense multi-espectral e um Scanner Cadavérico.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

IX Seminário da Câmara Técnica de Medicina Legal

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, através da Câmara Técnica de Medicina Legal, tem a honra de convidá-lo(a) para participar do IX Seminário da Câmara Técnica de Medicina legal do CREMERJ, que será realizado no dia 13 de novembro de 2010, no horário de 8h30 às 17h, no Auditório do CREMERJ Júlio Sanderson, situado na Praia de Botafogo, 228 – Lojas 103 a 106 – Botafogo – RJ.

EVENTO COMEMORATIVO DOS 11 ANOS DA CÂMARA TÉCNICA DE MEDICINA LEGAL


Conselheiro Luís Fernando Soares Moraes
Presidente do CREMERJ

Conselheiro Hildoberto Carneiro de Oliveira
Responsável pela Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ

Luiz Carlos Leal Prestes Junior
Coordenador da Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ


Abertura: 8h30
Conselheiro Luís Fernando Soares Moraes
Presidente do CREMERJ

Conselheiro Hildoberto Carneiro de Oliveira
Responsável pela Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ

Luiz Carlos Leal Prestes Junior
Coordenador da Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ

8h45 - 9h30- Comentários Médico-Leagais sobre a Lei Seca
Dr. Roger Vinicius Ancillotti- Membro da Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ

9h30 – 10h15 - O Ensino da Medicina Legal no Curso Médico - Visão Atual
Dr. Nereu Gilberto de Moraes Guerra Neto - Membro da Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ

10h15 – 10h30: Debate

10h30 – 10h45: Intervalo para o Café

10h45 – 11h30 - A Perícia Médico Legal no Desabamento de Angra dos Reis
Dr. Luiz Carlos Leal Prestes Junior – Coordenador da Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ

11h30 – 12h15 - A Vítima Vulnerável nos Delitos Sexuais
Dr. Talvane Marins de Moraes - Membro da Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ

12h15 – 12h30: Debate

Intervalo para o Almoço

14h - 14h45 - Exame Toxicológico - Como pedir e o que pedir
Dr. Sergio Rabelo Alves – Toxicologista Forense - Fundação Oswaldo Cruz e IMLAP

14h45 – 15h30 - A Falácia das Drogas
Dr. Miguel Chalub - Membro da Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ

15h30- 15h45: Debate

15h45-16h: Intervalo

16h -17h: Apresentação de Casos em Medicina Legal
Dra Virgínia Rosa - Membro da Câmara Técnica de Medicina Legal do CREMERJ

Dr. Reginaldo Franklin – Perito-Legista

17h: Debate e Encerramento


Maiores informações, clique aqui.


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

VI Seminário Nacional de Pericias em Crimes Contra o Meio Ambiente e III Seminário Nacional de Engenharia Forense

Local: Hotel Caiçara – João Pessoa/PB

Data: 06 a 08 de dezembro de 2010

Promoção: Associação Brasileira de Criminalística

Realização: Associação dos Peritos Oficiais do Estado da Paraíba

Instituto de Polícia Cientifica do Estado da Paraíba

Apoio: Secretaria de Estado da Segurança e Defesa Social


Patrocinadores: SENASP/MJ

APPLIED BIOSYSTEMS

CALCOGRAFIA RELEVO


Valores das Inscrições:


Peritos Sócios da ABC - R$ 250,00

Peritos Não Sócios da ABC - R$ 300,00

Outros Profissionais - R$ 350,00

Estudantes de Graduação* - R$ 100,00
(Deverá apresentar declaração da Faculdade no ato do credenciamento)

Comissão Organizadora:


Presidente de Honra: Humberto Jorge de Araújo Pontes – Presidente da ABC

Presidente do Evento: Joelson dos Santos Silva – Presidente da APO/PB

Coordenação Geral: Israel Aureliano da Silva Neto

Coordenação de Secretaria: Rone Anderson e Jadson Cantanhede

Coordenação Financeira: Valéria Medeiros

Coordenação Científica:

Crimes Contra o Meio Ambiente: Luciana Torres Brito

Engenharia Forense: Roberto de Azevedo Santos Britto

Coordenação de Apoio Logístico: Gracinete Duarte da Costa

Coordenação Social: Ridcley Falcão

Coordenação de Palestras: Vanina Vanini

Coordenação de Divulgação e Captação de Recursos: Luciene de Fátima Noronha

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Relatório de Análise Retrospectiva de Casos Atendidos (parte 4)

Conclusão

Como visto, a região atendida pela EPC Americana possui uma alta demanda por serviços periciais desde sua criação. De lá para cá, o número de profissionais em atividade pericial na região sempre foi aquém do necessário. Apesar do alto número de casos atendidos, a minoria (menos de 30%) são de efetivo interesse. Isso implica em mais de 70% dos casos atendidos não serem sequer oficialmente investigados, visto que não há instauração de inquérito policial. É certo que estes números não representam, necessariamente, falta de eficiência por parte dos órgãos de polícia judiciária. Mas que boa parte dos casos atendidos se trata de ocorrências que dependem de representação.

Ainda assim, considerando a demanda aqui reportada, é notória a necessidade de um maior número de profissionais peritos criminais lotados nesta EPC, como visto utilizando tanto parâmetros habitante-dependentes, como critérios caso-dependentes.

Perspectivas futuras sugeridas

É sabido que a contratação de novos profissionais da área pericial demanda a superação de entraves administrativos e, principalmente, político-orçamentários. Portanto, as sugestões que aqui serão discutidas não consideram essa possibilidade.

Nesse contexto, uma maneira de equacionar as discrepâncias de volume de casos atendidos entre as regiões do estado de São Paulo seria a realização de um estudo semelhante a o presente, de maneira a determinar qual o número médio de casos atendidos por perito criminal no estado como um todo. Comparar-se-ia tal valor com a média de casos atendidos por perito por equipe de pericias criminalísticas. Assim, as equipes com média de casos atendidos por perito menor que a média geral do estado cederiam profissionais para as equipes cuja média de atendimento é maior que a do estado, sem que as primeiras ficassem com um efetivo menor que seis peritos em efetivo atendimento pericial. Isso resultaria em uma distribuição mais equitativa do volume de casos por profissional de cada equipe.

É provável que a sugestão supra traga descontentamentos a algumas equipes. Sobretudo àquelas que cederiam seus profissionais. Visando contornar discussões infrutíferas, eis outra sugestão: como se extrai da figura 5, a demanda por profissionais para atender o volume de casos de efetivo interesse é próxima da atualmente em atendimento. Portanto, uma maneira de equacionar o montante de laudos a serem expedidos seria baseada em uma medida administrativa. Expedir-se-ia laudo apenas para os casos cujo inquérito policial foi instaurado. Casos que dependem de representação ou meras apreensões de objetos de natureza não criminal deixariam de ser acrescidos às estatísticas de atendimento, pois raramente para tais ocorrências se instaura inquérito. Dessa forma, o volume de laudos expedidos cairia para cerca de 28% do total de casos atendidos.


Literatura Consultada

ABC – Associação Brasileira de Criminalística, www.abcperitosoficiais.org.br, consultado em 06 de janeiro de 2010.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, www.ibge.gov.br, consultado em 06 de janeiro de 2010.

Waiselfisz, J.J. 2008. Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008. 1a. edição. Ideal Gráfica e Editora. 111pp.


Link para o relatório completo (em pdf).

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Relatório de Análise Retrospectiva de Casos Atendidos (parte 3)

Demanda por Profissionais Peritos Criminais

Considerando que a população atendida pela EPC Americana cresceu entre 1999 e 2009, era de se esperar que o número de ocorrências policiais também aumentasse e, conseqüentemente, a quantidade de requisições periciais seguiriam o mesmo rumo. Como visto anteriormente (tabela 1 e figura 1), foi o que de fato ocorreu. Portanto, não há dúvida de que a demanda por perícias de natureza criminal ascendeu no período em questão.

Entretanto, o número de peritos criminais em efetivo atendimento pericial na EPC Americana, apesar dos acréscimos trienais, e a demanda por perícias criminais não cresceram no mesmo ritmo (tabela 3 e figura 1). Entre 2000 e 2009, a população dos nove municípios aumentou em pouco mais de 21% (tabela 1), ao passo que a demanda por perícias aumentou em 113% no mesmo período (figura 1). Considerando que a quantidade de peritos criminais em exercício na EPC correspondente não cresceu na mesma taxa, o número de casos atendidos por ano por profissional aumentou (figura 3).


Depreende-se da figura 3 que o número de casos atendidos por perito criminal ascende a uma taxa média de 5,5% ao ano. No entanto, se a análise for restrita aos cinco últimos anos, parece emergir um padrão de número médio oscilante entre 1200 e 1600 casos/perito/ano. A observância desta tendência só é possível quando considerado o aumento do efetivo ocorrido nos anos de 2003 e 2007.

Visando encontrar parâmetro para avaliar se o efetivo da EPC Americana é ou não adequado à demanda da região, buscou-se informações junto à Associação Brasileira de Criminalística (ABC). De acordo com a entidade, o número recomendado de peritos criminais deve seguir o número de habitantes da região atendida em uma proporção de 1:5000, isto é, um perito criminal para cada 5 mil habitantes.

Usando o critério recomendado pela ABC, entre 2000 e 2009, o efetivo ideal para a EPC Americana seria de 20 a 29 vezes maior que o quadro de peritos criminais em atendimento pericial no período (figura 4), ou seja, 211 peritos criminais lotadas na equipe em questão (considerando os dados do ano de 2009).


O critério recomendado pela ABC é, por vezes, criticado por agentes de segurança pública. Há quem diga que se trata de um exagero ter um perito para cada 5 mil habitantes e que tal proporção nunca será atendida por ser administrativamente utópica. Apesar dessa idéia não ser corroborado por profissionais da criminalística, quando ponderada a diversidade regional, esse número deveria variar de acordo com a demanda da região, pois dois municípios com 100 mil habitantes não necessariamente possuem números de ocorrências policiais semelhantes. Em outras palavras, nem sempre a demanda policial e, conseqüentemente, a pericial criminal é habitante-dependente.Portanto, critérios alternativos para efeito de cálculo do número de peritos criminais deveriam emergir de uma discussão deste porte. Um deles poderia levar em consideração não apenas o tamanho da população atendida, mas também a demanda pericial na região. Se avaliada a demanda por meio de um número de casos/perito compatível com a qualidade que se espera dos serviços periciais, os resultados talvez fossem menos criticados do que aqueles apresentados quando empregado o parâmetro sugerido pela ABC.Considerando a experiência da EPC Americana, a qualidade da atividade pericial depende, em sua coletividade, do número de casos atendidos por mês por perito criminal. Um número razoável seria de 25 casos/mês/perito, o que equivale a 275 casos/ano/perito (considerando onze meses de trabalho no ano, descontando um mês de férias). Com base neste critério, o número de peritos criminais necessários para a EPC Americana entre os anos de 2000 e 2009 esteve entre 21 e 49 profissionais (figura 5), considerando o número de casos atendidos nos respectivos anos. Entretanto, utilizando o mesmo critério, se examinado pelo número de casos de efetivo interesse (vide capítulo “Demanda de Atendimento Pericial Criminal” e figura 1), a demanda por profissionais se aproxima do atual efetivo, apesar de ligeiramente mais alta (figura 5).

O parâmetro aqui estimado para efeito de cálculo (275 casos/perito/ano) representa 2,22% do número de casos atendidos em 2009. Isto é, cada perito da EPC Americana tem atendido 45 vezes o número de casos aqui considerado próximo do ideal para a manutenção da qualidade do trabalho pericial. O mesmo cálculo considerando o número de casos de efetivo interesse, tais números representam 7,81% e menos de 13 vezes o número de casos com inquérito policial.
Ao avaliar a figura 5, alguns poderiam concluir que até o ano de 2003 tal EPC teve mais peritos criminais do que efetivamente precisava. Mas esta é uma conclusão falaciosa: por se tratar de uma atividade laboral em regime de plantão, 24h por dia, sete dias por semana, não é viável a atividade com menos de seis profissionais em escala de atendimento pericial.


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Perícia em Madeiras


Pra começar, quero relembrar o artigo 46 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605)

Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.


A situação é ainda mais grave quando se trata de madeira em risco de extinção ou especialmente protegida. Contudo, para materializar este tipo de delito, faz-se necessária uma perícia criminal identificando tais produtos para o devido enquadramento legal pelas autoridades policiais e judiciárias.

A capacidade de identificar madeiras, na verdade, seria uma qualidade desejável não só para peritos como para todos os policiais e agentes ambientais que fazem a fiscalização.

Ocorre que a identificação vegetal é complexa e limitada quando não se podem analisar os elementos florais das plantas. As identificações realizadas por técnicos experientes (populares "mateiros") costumam ter muitos erros.

Com o intuito de ajudar a formação tanto da fiscalização como do setor produtivos, os pesquisadores José Arlete Camargos e Vera Coradin, juntamente com Tereza Pastore e Alexandre Christo, desenvolveram alguns produtos entre os quais se destaca a Chave Interativa de Identificação Macroscópica de Madeiras Comerciais Brasileiras. Através desta chave, é possível identificar mais de 150 espécies entre as principais madeiras comerciais do Brasil com apenas uma lupa e conhecimentos básicos em anatomia vegetal.

É um modelo exemplar de como o conhecimento acadêmico bem aplicado pode contribuir para o desenvolvimento sustentável no país. O Laboratório de Produtos Florestais ministra cursos, produz material e presta serviços importantes para o setor madeireiro.

Tive o prazer de participar de um curso voltado a peritos criminais e tenho que reconhecer que a chave é uma ferramenta fantástica criada por profissionais do mais alto padrão, com décadas de experiência no assunto e - o mais importante - energia e vontade de colaborar.

Ajudá-los na divulgação deste conhecimento é uma forma de agradecimento a dedicação destas pessoas. Este é o objetivo do post de hoje.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Relatório de Análise Retrospectiva de Casos Atendidos (parte 2)

Demanda de Atendimento Pericial Criminal

Tendo por base os bancos de dados de registros das requisições que deram entrada na EPC Americana, foram feitas filtragens de forma a determinar quantas ocorrências foram atendidas por ano e quantas destas ocorrências eram de efetivo interesse das unidades policiais requisitantes.

O período de estudo se estendeu de abril de 1999 à novembro de 2009, portanto nove anos e oito meses, e o critério utilizado para avaliar se havia ou não efetivo interesse nas ocorrências atendidas foi a instauração ou não de inquérito policial (IP) por parte da respectiva unidade requisitante. Em outras palavras: foram consideradas ocorrências/atendimentos de efetivo interesse por parte da unidade requisitante aquelas que faziam referência ou deram origem a IP.



Observando os dados em epígrafe (figura 1), nota-se um aumento de demanda de mais de 350% em quase dez anos. Observa-se, ainda, uma tendência à estabilização da demanda por perícias de natureza criminal na região atendida a partir do ano de 2004 em aproximados 13000 ocorrências/ano.

Comparando as taxas médias de crescimento de casos atendidos e casos de efetivo interesse se percebe que a demanda por atendimento cresce a uma taxa cerca de três vezes maior do que a demanda por casos de interesse. Enquanto a demanda por atendimento tem um incremento médio de 939 casos/ano, às ocorrências de interesse se acresce 324 casos/ano.

A fração dos casos de efetivo interesse assumiu certa estabilidade (perto de 18,02% dos atendimentos) entre os anos de 2003 e 2007 (figura 2). Um novo patamar parece emergir nos últimos dois anos (ao redor de 28,7%). Ao representar os dados em termos de porcentagens (figura 2), fica claro que, no período em análise, anualmente, entre 71% e 92% dos atendimentos às requisições periciais não se enquadraram no critério de ocorrências de efetivo interesse adotado no presente relatório.


sábado, 9 de outubro de 2010

Relatório de Análise Retrospectiva de Casos Atendidos (parte 1)

Algumas pessoas têm curiosidade acerca da atividade pericial. Os menos melindrosos me perguntam como é a labuta, a área atendida, o número de casos, etc. Quando respondo, alguns me olham com espanto, se endagando se falo a verdade.

Pois bem, decidi divulgar um relatório (Relatório de Análise Retrospectiva de Casos Atendidos na Circunscrição da EPC Americana) que confeccionei no início do ano corrente. Neste, há dados que ilustram a atividade pericial em números e a defasagem de profissionais na circunscrição da Equipe de Perícias Criminalísticas de Americana (interior de São Paulo).

O objetivo do relatório não era exatamente "jogar os dados na internet", mas subsidiar critérios à distribuição de novos profissionais e evidenciar a situação em que se encontra a perícia do interior paulista. Sei que alguns colegas me recomendaram para que eu não divulgasse esses dados. Penso, porém, se tratar de dados públicos e de interesse dos cidadãos. Somente com dados é que a classe pericial pode pleitear o apoio da pupulação. Eis o relatório.

Preliminares

Considerando o teor do que foi discutido no V Encontro Técnico-Científico ocorrido entre os dias 03 e 05 de dezembro de 2009, promovido pelo Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo (SINPCRESP);

Considerando os levantamentos e apontamentos realizados na reunião de trabalho da EPC Americana, convocada pelo Perito Criminal Chefe Edvaldo Messias Barros, ocorrido no dia 18 de dezembro de 2009;

Decidiu-se pela elaboração do presente relatório visando (a) avaliar retrospectivamente as atividades da EPC Americana, desde sua criação até o presente; (b) dar ciência às autoridades superiores e a quem possa interessar desta análise; (c) sugerir alterações no modo de trabalho do Instituto de Criminalística de São Paulo.

Introdução

A Equipe de Perícias Criminalísticas (EPC) de Americana, órgão do Poder Executivo do estado de São Paulo, subordinado à Secretaria dos Negócios da Segurança Pública, à Superintendência de Polícia Técnico-Científica, ao Instituto de Criminalística, ao Centro de Perícias e ao Núcleo de Perícias Criminalísticas de Campinas, iniciou suas atividades como equipe autônoma em abril de 1999. Desde sua criação é responsável pelo atendimento às requisições periciais de natureza criminal de parte da Região Metropolitana de Campinas. Nove municípios compõem a circunscrição desta EPC: além do município sede (Americana), são também atendidas as municipalidades de Artur Nogueira, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Hortolândia, Monte Mor, Nova Odessa, Santa Bárbara D’Oeste e Sumaré, totalizando uma área territorial de 1377 km2 (tabela 1).

A população atual de cada município varia de 14 à 241 mil habitantes atendidos por 36 unidades policiais, as quais esta EPC dá suporte. O total de habitantes atendidos pela EPC Americana é de, aproximadamente, um milhão e cinqüenta e quatro mil habitantes, o que equivale a cerca de 2,55% da população do estado de São Paulo (tabela 1).


O mapa da violência de São Paulo aponta que, entre 2002 e 2006, municípios da circunscrição da EPC Americana estiveram entre os 20 mais violentos do estado a julgar pelas taxas de homicídio para cada 100 mil habitantes. Na média do qüinqüênio 2002-2006, tal taxa foi de 44,5 na circunscrição, sendo que Monte Mor, Hortolândia e Sumaré se destacaram com as maiores taxas entre os municípios em questão (87,0, 86,8 e 75,3, respectivamente). No extremo oposto da tabela, estão os municípios de Americana (taxa média de homicídios por 100mil habitantes: 15,0), Engenheiro Coelho (taxa média: 15,6) e Nova Odessa (taxa média: 18,3).
As médias de número de mortes decorrentes de acidente de trânsito e homicídio na circunscrição indicam valores expressivos (tabela 2). Em termos médios, são registrados 619 óbitos por ano em função de tais ocorrências entre os nove municípios, o que equivale a cerca de 1,7 mortes diárias na região.


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Algas, o Caso Nakashima e a Ficção

O caso Mércia Nakashima trouxe elementos periciais muito interessantes e ilustrativos quando observados paralelamente às informações exploradas pela ficção. Algumas pessoas, quando assistem à filmes e episódios de seriados envolvendo exames periciais, me perguntam se aquilo é possível. Uma dessas perguntas versava sobre um episódio de Dexter em que algas encontradas em sacos de lixo onde partes de corpo eram mantidas e jogadas no mar poderiam ligar a uma localidade no litoral. Respondi que, dependendo da biologia da espécie de alga (condições necessárias para sobrevivência e endemismo, por exemplo), era possível. Na seqüência, me questionaram se eu conhecia algum caso em que esse tipo de informação biológica sobre algas tivesse sido utilizada. Na ocasião eu disse que não. Hoje a resposta seria diferente.

Dos sapatos de Mizael Bispo de Souza, acusado de matar a ex-namorada Mércia Nakashima, foram coletadas algas do gênero Chaetophora. Segundo Carlos Eduardo Bicudo, pesquisador do Instituto de Botância da Universidade de São Paulo (USP), trata-se de uma alga microscópica que ocorre em baixas profundidades, sendo comum na represa de Nazaré Paulista, onde o corpo foi encontrado. É evidente que tal alga também pode ser encontra em outras localidades, mas o fato de ser comum na represa em que a finada Mércia foi encontrada e estar presente nos sapatos do principal suspeito coloca Mizael no local do crime. (Penso que essa prova individualmente é frágil, mas associada ao conjunto probatório ganha muita importância).

Microorganismos tem um grande potencial forense e é um ramo em ascensão. Algumas aplicações já foram exploradas aqui no CCC (como neste post). Outras são bem documentadas em livros de medicina legal. Num desses relatos literários há referência sobre um cadáver encontrado no mar. Era um cadáver em estado inicial de decomposição e a causa mortis apontava para o afogamento. Ao analisar os pulmões, o perito encontrou água doce e, nela, diatomáceas de ambientes lóticos (águas correntes). Logo, o afogamento não poderia ter ocorrido em ambiente marinho.

Efim, isso reforça que biologia forense, como denominação genérica para a aplicação das ciências da vida às questões de interesse judicial, tem ganhado importância a medida que casos como o Nakashima vêm a tona.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ENQFor - Encontro Nacional de Quimica Forense

O interior de São Paulo vai sediar a segunda edição do ENQFor - Encontro Nacional de Química Forense, a ser realizado no período de 8 a 11 de dezembro de 2010, no Centro de Convenções de Ribeirao Preto. As informacoes pertinentes a inscrição e programação podem ser obtidas diretamente no site do evento.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cigarros e a "Propriedade" para o Consumo


Uma das características mais fascinantes da carreira de Perito Criminal é a falta de rotina aliada aos desafios intelectuais diários. Não existem casos iguais e, conseqüentemente, não há perícias idênticas. A cada requisição pericial vislumbra-se um novo desafio ao ser pensante.

Mês passado, recebi uma requisição de exame pericial cujos quesitos versavam sobre a falsificação de cigarros. Além disso, a autoridade policial queria saber se aqueles produtos (os cigarros) estavam próprios ou impróprios para o consumo humano, já que a investigação também . Neste caso concreto, os cigarros era falsificados e os prazos de validade estavam vencidos. Logo, a julgar pelo fato de se tratarem de falsificações e, ainda mais, com a validade nominal dos produtos vencida, fica evidente que estão os cigarros impróprios para o consumo humano.

Flagrei-me, entretanto, imaginando um cenário em que os cigarros não fossem falsificados e com os prazos de validade ainda não vencidos. Como eu responderia a esses quesitos? Para tal, haveria de conceituar o termo "impróprio para o consumo humano", o que, em princípio, parece fácil. Impróprio ao consumo humano é o produto que possui o potencial de causar dano à saúde humana. De fato, é mais ou menos assim que a Vigilância Sanitária define o termo.

Voltando ao caso concreto, de ante-mão é possível dizer que qualquer produto com prazo de validade vencido é potencialmente danoso à saúde, logo impróprio para o consumo. No entanto, todo e qualquer cigarro, ainda que dentro do prazo de validade, tem o potencial de causar dano à saúde humana, conforme adverte o Ministério da Saúde. Nesta lógica, todo e qualquer cigarro é impróprio para o consumo humano.

O cigarro é um ente estranho quando lidamos com a questão nestes termos. Havaria, talvés, de considerar a legislação sobre a autorização para a venda e o consumo deste produto. Entretanto, temo por adotar esse procedimento. Isso, pois, ao respaldar meu laudo na legislação, é muito provável que um postulado e um princípio da Criminalística sejam violados. Um dos postulados diz que "a perícia criminal é independente do tempo" e ela se justifica no fato de a verdade ser temporalmente imutável. Logo, nossos resultados não podem variar ao sabor das legislações que se alteram periodicamente. No mesmo sentido, o Princípio da Descrição diz que "o resultado de um exame pericial é constante com relação ao tempo e deve ser exposto em linguagem ética e juridicamente perfeita".

E agora, José?

domingo, 12 de setembro de 2010

Da Curetagem à Impunidade

Em levantamento realizado pelo Instituto do Coração (InCor), da Universidade de São Paulo, a curetagem foi a cirurgia mais realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Entre 1995 e 2007 foram realizadas 3,1 milhões de curetagens, o que equivale a cerca de mais de 653 curetagens por dia no período.

A curetagem é um procedimento médico cujo principal objetivo é a remoção de restos plancentários ou resíduos de endométrio mediante o uso de um instrumento denominado cureta. É um procedimento comumente necessário após um aborto (apesar de ser utilizado em outras ocasiões, em menor frequência).

A notícia do número de curetagens realizadas no Brasil circulou pelos principais veículos de mídia (jornal O Estado de São Paulo, revista Veja, portal G1, canal GloboNews, entre outros). Não vi, entretanto, niguém se pronunciar quanto ao significado deste número. Como perito, venho trazer um viés pericial para a discussão e esse viés me assustou.

É sabido que a curetagem é comumente realizada após um aborto (legal ou ilegal). Sabemos que, nacionalmente, esse procedimento é realizado pelos SUS cerca de 650 vezes por dia. O que não sabemos é: quantas dessas 650 ocorrências diárias são investigadas criminalmente? Não estou aqui dizendo que toda curetagem realizada pelo SUS foi necessária após abortos ilegais. Mas certamente um boa parcela se deu por conta disso.

Mas como investigar esses casos? Inicialmente, tomando o depoimento da paciente e daqueles que a acompanham. Secundariamente, coletando informações de pessoas que convivam com a paciente: amigos, vizinhos, familiares, namorado(!)... Paralelamente, a perícia já poderia ir se preparando, coletando uma amostra biológica consentida da vítima ou se atendo ao material biológicos originários da paciente deixados nos instrumentos (se é uma amostra legal ou não, há discussão jurídica...).

Pericialmente, o próximo passo seria confrontar geneticamente a vítima com fetos encontrados nas redondezas. Não é pouco frequente a notícia de que um feto foi encontrado jogado em terrenos baldios, lixões ou mesmo em via pública. Uma alternativa seria a criação de um banco de dados genético de fetos de forma que para toda curetagem, o DNA da vítima seria confrontado com tal banco de dados. É certo que, ainda que eventualmente, seriam encontrados alguns pares mãe-filho entre paciente-feto.

Voltando a pergunta: quantas vezes uma curetagem é investigada? A resposta é muito próxima do zero. Isso é quase como um patrocínio do Estado na prática de um crime. A necessidade de uma curetagem após um aborto ilegal é, sem sombra de dúvida, um indício (lembra do conceito de indício: "Circunstância conhecida e provada que, tento relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias" - art. 235 do CPP). O material extraído do útero pelo procedimento são vestígios. Comprovada sua relação com o feto, passam a evidência. Ou seja, diante de uma curetagem a autoridade policial têm todos os elementos para uma investigação criminal. Por que não se procede?

Que fique claro que esta não é uma discussão sobre a legalidade ou não do aborto. A lei é clara: aborto é crime, salvo em certas circunstâncias (nos casos de estupro, quando a gravidez representa risco de vida para a mãe ou mediante autorização judicial). A questão é por que não se investiga a curetagem em todo e qualquer estabelecimento médico? É evidente que o procedimento dever ser realizado quando necessário, especialmente quando sua abstenção coloca em risco a vida da paciente. Mas valeria, no mínimo, a investigação.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

"A solidão do Perito Caipira"

Recentemente, li um post do colega mineiro Experidião Porto encontrado em seu blog. O texto revela de forma quase poética a situação do Perito Criminal lotado do interior dos Estados brasileiros e é intitulado "A solidão do Perito Caipira". Eis o texto:


No calor de uma multidão em um estadio de futebol 22 homens trabalham para fazer com que uma bola vá ao gol do adversário, alguns jogadores ganham uma fortuna para ficar correndo atrás de uma bola por 90 minutos. No trabalho do Perito Criminal do interior isso também ocorre, porem, as avessas. Na delegacia regional de Bom despacho por exemplo, no vento frio de uma madrugada solitária, um Perito Criminal atende sozinho a 22 cidades simultaneamente no decorrer do seu plantão.

Solitário, as vezes desarmado, as vezes com um velho revolver calibre 38, o Perito de plantão conta muita das vezes com Deus e com a sorte. O cenário é muito diferente do que é visto nos seriados americanos do tipo CSI. E lá vai o Perito sentado ao volante do o UNO da Pericia por centenas e centenas de quilômetros por plantão.

Diferentemente da região metropolitana da capital onde as Seções são especializadas, o Perito Caipira atende a tudo que aparece, de homicídio a acidente de trânsito, de constatação de drogas a crime ambiental. Este profissional polivalente, tem ainda de ser digitador e secretário da seção de pericia, atendendo ao publico, pois não há no interior outros funcionários na seção alem dos Peritos.

Pássaro da noite

Noites sem dormir e distanciamento social são problemas enfrentados por muitos destes experts. "O pior são os homicídios envolvendo crianças, mão dá para não sentir aquela dor no coração" afirmou um dos peritos da regional de Bom despacho ao Blog. Sem equipamentos os Peritos tem de examinar os corpos em decomposição contado apenas com uma pomadinha de vic vaporube comprada por eles mesmos na farmácia da esquina e buzuntada sob as narinas.

Mesmo com um trabalho assim, que embrulharia o estomago de muitos, a maioria dos profissionais peritos gostam do que fazem. "Não gosto muito de fazer pericias corriqueiras do tipo avaliação, mas vibro quando nosso laudo é decisivo para colocar na cadeia um latrocida, agente acaba acostumando com a solidão e fica com o coração mais duro" afirma outro perito da regional.
Coração duro mas nem tanto, na semana passada o Perito Experidião Porto foi enviado para fazer uma pericia em um local de ligação clandestina de energia elétrica. Ao chegar ao local, um bairro pobre da Cidade de Bom despacho, Oeste de Minas, Porto se deparou com uma residencia paupérrima onde haviam 8 crianças pequenas. Ao avistar a viatura as crianças foram correndo e logo disseram ao Perito: "moço não prende a mamãe não era só ligou os fios por causa do Chiquinho" . Chiquinho era um dos filhos da dona da casa e portador de necessidades especiais. Ao entrar no local o Perito ficou com os olhos rasos de lagrimas. Porto voltou depois ao local com uma cesta de alimentos e uma quantia para que fosse paga a conta de energia elétrica.

Autonomia

A Pericia Mineira tem lutado muito por melhores recursos e pela autonomia plena, a sociedade não assiste o perito trabalhando como assiste o jogador de futebol, mas uma pericia forte e independente trará a população brasileira o que ela tanto anceia: uma capacidade maior da justiça prevalecer sobre a impunidade.

Quem viver verá.