quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Perícia, Copa e Olimpíadas

Após a euforia de conseguir trazer a Copa 2014 e as Olímpiadas de 2016 para o Brasil, a fatura começa a ser apresentada ao contribuinte. E aos Peritos.

Fonte da figura: DiskMan Blog

Estavam previstas 1200 desapropriações imobiliárias para a construção do novo corredor de ônibus T5, o Transcarioca. Agora, segundo o Diário Oficial de 14/12/2009, esse número Triplicou!!! (Fonte: Globo.com)

Conforme já foi citado aqui em outro post baseado no site da Conjur, o Laudo válido para desapropriar um imóvel é aquele da Perícia Oficial.

Assim, já sugiro os colegas do Rio de Janeiro irem estudando o assunto e, como 95% da verba é federal, conversando com os colegas da Polícia Federal para ver como "matar" essas 3.630 pendências, que não serão fáceis! E ainda tem a Copa do Mundo...

Esse é um momento maravilhoso para a Polícia Técnica. É a hora ideal para elaborar projetos de infra-estrutura, solicitar novos concursos, etc... Estou a pouco tempo na perícia, mas vi que o PAN do Rio já trouxe muitos benefícios para a classe, imagina o potencial de uma Copa + Olimpíadas.

Fora as áreas óbvias, como bombas e explosivos, precisamos abrir a mente e enxergar novos problemas como a parte de avaliação dos imóveis a serem desapropriados, lavagem de dinheiro, impactos ambientais e licenciamento das obras, etc e tal.

É uma boa oportunidade de mostrar a importância do Perito, demostrando que os benefícios sociais de uma Perícia bem estruturada valem a pena frente ao seu baixo custo para a sociedade. Vejo um desafio para a classe, pois se os Peritos Oficiais não tomarem a frente na solução dessas pendências, certamente serão utilizados outros estudos técnicos de TCU, Ministério Público, Peritos ad hoc, charlatões, etc... aí já viu, né?!

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Auxílio ao ócio prisional


Este post não é exatamente pericial. Mas trata de um tema que, como tantos outros, incomoda aqueles que trabalham com aspectos criminais.

Hipoteticamente, você, pai de família, está passando por um período de dificuldade financeira e não consegue garantir o sustento de seus dependentes. Parte seu coração ver sua esposa e seus três rebentos em necessidade. Homem direito como é, você se sacrifica buscando um (ou outro) emprego para resolver essa amargura. Sem sucesso.

Em um ato de desespero, você parte para a criminalidade. Mas, homem direito que é e sem a malandragem inerente aos marginais, é pego logo no primeiro roubo. É julgado e condenado a 4 anos de reclusão (pena mínima prevista no art. 157 do Código Penal).

Assim que é encarcerado, vem a surpresa: sua família que passava necessidades passa a receber R$ 3008,48 mensalmente enquanto você estiver preso. E a dificuldade financeira, que foi a gênese de todo o episódio, está sanada!

Ok, eu sei, nobre leitor. Parece uma anedota criminal. Mas, para nosso infortúnio, não é. Trata-se do auxílio-reclusão, "um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto", nas palavras da Previdência Social. Eu procurei explorá-la em um conto em que o protagonista era um homem de bem. No entanto, tal benefício tem sido concedido majoritariamente a pessoas de má fé.

De acordo com a Portaria nº 48, de 12 de fevereiro de 2009, o valor a ser pago é de R$ 752,12 por dependente. Cá entre nós, na anedota acima, quantos pais de família com três filhos ganham um salário de R$ 3008,48 ou superior? A fundamentação por trás desse auxílio-reclusão é que o recluso não pode trabalhar para garantir o sustento de sua família. Pergunto: aquele pai de família, que foi vítima de um latrocínio, pode trabalhar para garantir o sustento de sua família? Há benefício semelhante à família vitimada?

Em suma, se não bastasse o meliante encarcerado viver às custas do Estado, que gasta o equivalente a R$ 1700,00 por presidiário, ou 11 vezes o que se gasta com um estudante de ensino fundamental, ele é beneficiado com a garantia de consciência tranquila de que sua família não passará necessidades. Isso, pois receberá um auxílio pelo ócio do meliante em um estabelecimento prisional, já que a Constituição Federal proíbe os trabalhos forçados (penso em começar uma campanha para mudar o nome de Auxílio-Reclusão para Auxílio-Ócio-Prisional). Sem contar, é claro, com outros benefícios como as saídas temporárias (erroneamente chamadas pela imprensa de indulto) de natal, dia dos pais, páscoa, dia das mães... E ainda queimam colchões quando não há TV a cabo nas celas.

Mas o crime não compensa.

Pense nisso.


Obs.: Aos que duvidam, consultem as seguintes legislações:
- Lei nº 8.213, de 24/07/1991
- Decreto nº 3.048, de 06/05/1999
- Instrução Normativa INSS/PRES nº 20 de 10/10/2007
- Portaria nº 48, de 12/2/2009

sábado, 26 de dezembro de 2009

Perícia em Tráfico de Animais

De acordo com dados do sítio do Ibama, "Calcula-se que o tráfico de animais silvestres retire, anualmente, cerca de 12 milhões de animais de nossas matas; outras estatísticas estimam que o número real esteja em torno de 38 milhões".

Olhando na feira livre, parece uma negócio pouco expressivo, mas pássaros legalizados premiados em exposições chegam a valer R$ 30.000,00 e são trocados por carros e casas. No exterior, esse valor é maior ainda, o que estimula o tráfico internacional.

Espécies de animais silvestres podem ser criadas em cativeiro com autorização do Ibama, mas não podem ser retiradas do seu ambiente natural. Sempre me perguntam "Como eu faço pra legalizar meu passarinho? Não quero ser multado". A orientação é para entregar seu animal junto a um Centro de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA onde biólogos/veterinários vão dar a melhor destinação para o animal, seja a soltura em ambiente natural ou acomodação em zoológico. Não há como legalizar um animal que nasceu na natureza.

Ocorre que os animais não costumam andar com suas Certidões de Nascimento. No caso das aves, o que comprova sua origem legal é a presença de anilhas legítimas, com diâmetro compatível com o porte da espécie, que possibilite a colocação no animal jovem e não no adulto. Mas como o tráfico de animais envolve muito dinheiro, sempre há um espertinho falsificando anilhas e tentando "legalizar" animais selvagens.

Nessa hora entra o perito criminal, responsável pela caracterização de eventuais maus tratos, análise das anilhas e identificação das espécies animais verificando se as mesmas encontram-se em risco de extinção. Normalmente se observa a Lista da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES). Alguns estados, como Minas Gerais, ainda possuem sua própria lista de animais ameaçados.

Mas como verificar se a anilha é original? Entre em contato com o Ibama. Lá eles possuem padrões compravadamente originais para comparação e manual de fiscalização de anilhas. Mais detalhes não são disponibilizados aqui por motivos óbvios. Mas já adianto que, em geral, as falsas possuem diâmetros maiores do que o normatizado pelo Ibama, possibilitando a colocação em animais adultos vindos da natureza para "esquentá-los".

Para quem trabalha com segurança pública, prender um falsificador de anilhas é gratificante, pois não se enquadra na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), de penas brandas, e sim no código penal (Decreto-Lei 2.848/40). Trata-se de falsificação de selo ou sinal público (anilhas oficiais), que dá de 2 a 6 anos de prisão.

Jaula Neles!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Presente de Natal

Neste link podem ser encontrados diversos livros sobre ciência forense. Os livros são em inglês. Se tiver um tempinho para fuçar, esse site tem links pra diversos outros tipos de revistas e livros sobre os mais diversos assuntos.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Mini-Revólver: Aspectos Legais

Esses dias vi um documentário sobre Bob Munden, dono de 18 recordes mundiais de tiro. Mesmo sem minha sonhada banda larga no Amapá, me preparei para deixar baixando pela madrugada alguns vídeos sobre ele quando me aparece um link de um vídeo sobre o menor revólver funcional do mundo.



É lindo. É um chaveirinho que atira. Parece um brinquedo. Parece uma jóia. Será que qualquer um pode comprar um desses?

A utilização de armas de fogo no Brasil é disciplinada pelo Decreto Nº 3.665/2000, que dá nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), classificando armas de fogo em Uso Permitido (com o devido porte de arma, conforme o caso) e Uso Restrito (só para forças policiais e militares). “Brinquedos” como armas de pressão com munições menores que 6mm, por exemplo, são de uso permitido.

Lá, revólver é definido como “arma de fogo de porte, de repetição, dotada de um cilindro giratório posicionado atrás do cano, que serve de carregador, o qual contém perfurações paralelas e eqüidistantes do seu eixo e que recebem a munição, servindo de câmara;” Ok. Legalmente, nosso brinquedo é um revólver!

“Art. 16 São de uso restrito:
(...) IX - armas de fogo dissimuladas, conceituadas como tais os dispositivos com aparência de objetos inofensivos, mas que escondem uma arma, tais como bengalas-pistola, canetas-revólver e semelhantes;”

“Art. 17 São de uso permitido:
I - armas de fogo curtas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .25 Auto, .32 Auto, .32 S&W, .38 SPL e .380 Auto”

Agora é uma questão de interpretação. Alguém poderia dizer que tem cara de chaveirinho ou brinquedo, tendo aparência de inofensivo e, portanto, sendo enquadrada como arma de uso restrito. Ocorre que a energia na saída do cano de seus mini-projetis, de acordo com o vídeo linkado acima, é de cerca de 1 Joule, bem inferior aos 407 Joules da legislação, o que a tornaria de uso permitido. Para dar uma noção, o manual minha pistolinha de brinquedo (de bolinhas de plástico) diz que ela tem 0,5 Joule e não machuca nem a queima-roupa. Uma espingarda de chumbinho de 5,5mm, por outro lado, pode chegar a 20 Joules e machucar bastante.

Voltando a R-105, seu artigo 8 diz que "A classificação de um produto como controlado pelo Exército tem por premissa básica a existência de poder de destruição ou outra propriedade de risco que indique a necessidade de que o uso seja restrito a pessoas físicas e jurídicas legalmente habilitadas, capacitadas técnica, moral e psicologicamente, de modo a garantir a segurança da sociedade e do país." Portanto, acredito que a premissa básica do poder de destruição não é preenchida o que, para mim, significa que podemos comprar esse novo brinquedinho.

Eis uma boa indicação de presente para o Natal!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Vida Dura do Perito

Esta notícia realmente foi publicada no Jornal O Globo desta terça (15/12/2009).

E eu pensando que era duro fazer perícia em poluição de lixão.

Não achei o assunto interessante nem quero estudar mais sobre o assunto, apenas divulgo o tema com o intuito de estimular as concurseirAs a se tornarem futuras peritas! :)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"Autonomia técnica, científica e funcional"!

Hoje, 17 de dezembro de 2009, se completam 90 dias da publicação, no Diário Oficial da União (Seção 1, pág. 1), da Lei nº 12.030, de 17 de setembro de 2009, que "dispõe sobre as perícias oficiais e dá outras providências".

Mas por que falar desta Lei hoje, três meses depois da publicação? Fácil: diz o referido dispositivo, em seu artigo sexto, que "esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação". Ou seja, a partir de hoje, "no exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal, é assegurado autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial" (artigo segundo).

Presumo que, em vigor, essa Lei deve derrubar uma série de Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas Brasil a fora contra a criação de Polícias Científicas como órgãos independentes das Polícias Civis. O argumento quase sempre gira em torno da não previsão constitucional de órgãos policiais de perícia (o artigo 144 da Constituição Federal de 1988 prevê as polícias: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares).

Outra questão que emerge desta Lei é a questão da realização de "concurso público, com formação acadêmica específica". Em outras palavras, os concursos para a carreira de perito criminal não mais poderão ser abertos a qualquer formação universitária, mas sim áreas específicas. Em algumas unidades da federação, como São Paulo, Minas Gerais, e Distrito Federal por exemplo, os concurso passados não determinavam qual a formação acadêmica necessária para prestar o certame. Qualquer pessoa com diploma universitário poderia prestar. Outros estados, como Paraná, Pará e Tocantins, além da própria Polícia Federal, já seguem há algum tempo a proposição desta Lei: as vagas do concurso são divididas por área de formação acadêmica.

Particularmente, penso que essa é uma discussão equilibrada. A carreira pericial demanda conhecimentos interdisciplinares, em especial quando se labuta em regime de plantão em que o próximo caso a ser atendido pode ter tipificações tão diferentes quanto um homicídio e um crime contábil. Logo, a figura do perito genérico, como alguns têm chamado, não é de todo ruim. Uma visão ampla do fato típico é muitas vezes almejada.

Por outro lado, quanto mais generalista o perito, menos precisos são seus relatos. O conhecimento específico de um fenômeno fomenta consignações de grande relevância científica e, portanto, aproxima a investigação da tão buscada verdade real. E esse conhecimento apenas o especialista deve dominar. Conheço colegas que conhecem certas áreas com a profundidade da Fossa das Marianas, mas ficam restritos àquela área. Outros colegas possuem um conhecimento vasto como um oceano, mas raso com um copo d'água.

Um dos grandes desafios na carreira de um perito criminal está relacionado a sua constante formação profissional. Ponderar seus conhecimentos é necessário: saber o que é possível com a maior propriedade que dispuser, recorrendo a quem detenha o conhecimento quando preciso.

Muita discussão já foi realizada acerca do tema. Mas isso não impede que continuemos debatendo as ideias. Fica aqui o espaço aberto para a continuidade das discussões dessa temática. Aos interessados, utilizem o espaço de comentários para expor suas opiniões.

Saudações,

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Perícia e Academia: uma parceria promissora

Há algum tempo venho comentando com amigos e colegas dos dois mundos, o acadêmico e o pericial, sobre a necessidade de diálogo entre eles. Muito do conhecimento nascido em ambiente acadêmico é aplicável aos meios periciais. Em um giro oposto, a perícia criminal possui uma demanda infindável por novas técnicas. Traduzindo em "método científico": a perícia traria as perguntas, a academia viria com as respostas.

Cá em "terra que tem palmeiras, onde canta o sabiá" essa cooperação é rara e, quando ocorre, é por iniciativa de um perito ou de um pesquisador isoladamente. O ideal seria uma parceria institucional entre os órgãos periciais e as universidades. Por que isso não ocorre? Talvez nosso problema seja histórico: órgão periciais ainda possuem conotação policial; polícia e universidade deixaram de se misturar desde a famigerada ditadura.

Mas somos brasileiros, não desistimos nunca. Exemplo disso foi a iniciativa de quatro doutorandos do Instituto de Química (IQ) da UNICAMP e quatro peritos criminais da Polícia Federal (PF). Gustavo Braga Sanvido, Renato Haddad, Ramon Sarabia Neto e Livia Eberlin, do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massa do IQ, tiveram a colaboração de Ricardo Cosso, Denison Maia, Adriano Maldener e José Jorge Zacca, peritos criminais da PF, para desenvolver uma nova técnica de detecção de cédulas falsas.

A análise tem por base a espectrometria de massa aplicada a uma superfície e foi batizada de Easy Ambient Sonicspray Ionization (EASI). Segundo o Jornal da Unicamp, "A técnica identifica, por meio de análise química, as características dos compostos presentes nas cédulas, obtendo a resposta em dez segundos. 'A cédula verdadeira tem como presença constante quatro íons, chamados de íons diagnósticos', afirmou Sanvido. Se esses íons não estiverem presentes, a cédula é falsa."



Há, ainda, outras aplicações para a nova técnica relacionadas à análise documental. O exame de superfície permite avaliar assinaturas, explorando os íons da tinta utilizada e, assim, confrontando se foram ou não realizadas por uma mesma caneta. “Existem vários fatores que podem atacar a tinta original, entre os quais o oxigênio e a luz. Mesmo que a pessoa utilize uma caneta da mesma marca, isso não garante que ficará igual. A composição do corante também é diferente e, dessa maneira, fica provado que o documento foi alterado posteriormente à assinatura”, explica Sanvido.

Este trabalho foi aceito para publicação no Journal of Forensic Science, um dos mais importantes periódicos da área pericial. Fica aqui minhas congratulações aos autores e que a parceria sirva de exemplo para futuras colaborações.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

21 gramas: o peso da alma?

Alguns fenômenos cadavéricos são tão intrigantes que, no passado, foram motivo de análise sobrenatural. Profissionais de reputação ilibada fizeram afirmações que hoje incitariam o riso de muita gente. A desidratação tegumentar (ou dessecação) é um desses fenômenos e exploraremos uma conclusão falaciosa dela historicamente derivada: o peso da alma.

No início do século XX, um médico americano de nome Duncan MacDougall quis provar que a alma exite. Pensou que, se de fato exite a alma, ela deve ser material. Sendo constituída de matéria, a alma deve ter massa e, consequentemente, peso. Se tem peso, deve ser possível medí-lo. Com base nesse raciocínio, o Dr. MacDougall mediu o peso de seis pessoas antes e depois de morrer e reparou que o fiel da balança sempre tendia para a queda do peso do já cadáver paciente.

O primeiro era um tuberculoso prestes a morrer. Segundo o Dr. MacDougall, logo após a morte, o inidivíduo perdeu 21g de sua massa, portanto esse deveria ser o peso da alma (uso o termo "peso" aqui lato sensu, sem a conotação de força física). O segundo paciente teria perdido 46g, ao passo que o terceiro perdeu 14g imediatamente e mais 28g após alguns minutos. Então, se interpretarmos esses dados, concluiríamos que a alma de pessoas diferente tem massas diferentes, certo? E ainda: algumas almas deixam o corpo aos poucos (vide o terceiro paciente). A interpretação dada ao autor do experimento foi que essas diferenças se relacionavam ao temperamento de cada um: o terceiro paciente seria apático (para não dizer lerdo) e sua alma teria permanecido em suspensão sobre o corpo até notar que estava livre.

Talvez Duncan MacDougall não conhecesse os fenômenos cadavéricos abióticos. O corpo sem vida perde água para o ambiente a uma taxa que varia com o tempo: quanto maior o tempo decorrido do evento morte, mais baixa essa taxa. Logo, a perda de massa que ele observou provavelmente decorreu da perda de água por dessecação tegumentar. Em indivíduos com temperatura corporal aumentada ante mortem, como é comum nas infecções e em paciente hospitalizados, a desidratação ocorre mais rapidamente. Será que a diferença de peso medida não era decorrente da dessecação?

Dr. MacDougall diria que não. Ele realizou experimentos semelhantes com cachorros e não constatou qualquer variação no peso. Concluiu que homens têm alma, cães não têm. Mas os cães têm o tegumento recoberto por pêlos e não possuem glândulas sudoríparas. A taxa de dessecação em seus corpos certamente é mais lenta que em seres humanos.

Outras questões pertinentes:

1) a morte não é um instante no tempo, mas um processo que se estendo por algum período. A diferença de massa, portanto, decorre da desidratação do corpo durante o processo de morte;

2) como argumentou um colega legista, quando da morte, os esfíncteres relaxam. Seria possível que gases intestinais tivessem sido liberados logo após a morte. Como todo gás tem peso, a liberação desses gases acarretaria perda de peso, ainda que pequena (que tal 21g?).

Duncan MacDougall perdeu seus 21g em 16 de outubro de 1920. Neste dia, o The New York Times publicou sua morte no obituário com o título "Ele pesou a alma humana".

Para os curiosos, segue abaixo um link com o texto original do artigo publicado em 1907 pelo Dr. MacDougall sobre a hipótese da materialidade da alma:

MacDougall, D. 1907. Hypothesis Concerning Soul Substance, Together with Experimental Evidence of the Existence of Such Substance. Journal of the American Society for Psychical Research 5(1): 237-275.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

4 de dezembro: Dia do Perito Criminal

Em 15 de abril de 2008, o Congresso Nacional decretou e o Presidente da República sancionou a Lei 11.654 que "institui o dia 4 de dezembro como o Dia Nacional do Perito Criminal". Tal lei veio a instituir nacionalmente o que o Estado de Minas Gerais já havia instituído em 1982 (vide a Lei Estadual 8.380 de 23 de dezembro de 1982).

De 1982 para os dias atuais, muita coisa mudou. Mas a busca pela verdade real, que norteia as aspirações da justiça criminal, permanece a mesma. E o Perito Criminal, como auxiliar da justiça, continua a navegar nos mesmo mares jurisdicionais, a buscar a mesma verdade real e a conferir cientificidade à materialidade do crime.

Parabéns aos colegas Peritos Criminais por esta data. Que a cada ano possamos comemorar as vitórias da classe e aspirar melhorias constantes na qualidade de nossa atividade, tão importante para a justiça!

domingo, 29 de novembro de 2009

Um álibi inovador

Você está na casa de seu pai. Entediado, liga o computador começa a conversar com amigos em um desses programas de mensagens instantânea (MSN, Skype, GTalk...). Em meio a um dos diálogos, alguém sugere que você visualize uma foto que se encontra postada num site de rede social de seu interlocutor. Você gosta da fotografia e faz um comentário. Pronto! Você já tem um álibi!

Não entendeu? Pois foi mais ou menos isso que aconteceu na terra do Tio Sam, segundo o New York Times. Um jovem de 19 anos chamado Rodney Bradford foi preso preventivamente por suspeita de roubo. Seu advogado de defesa, Robert Reuland, buscando um álibi, questionou seu cliente sobre o que ele fazia quando ocorreu o roubo. Rodney comentou que estava no computador e que teria postado um comentário na sua página do Facebook dizendo “onde estão minhas panquecas” na hora do fato. Reuland apresentou os registros do site de relacionamento que apontavam tal postagem como tendo partido de um apartamento no numeral 71 da Rua 118, endereço do lar do genitor de seu cliente. Bradford foi libertado imediatamente.


Rodney Bradford, utilizando o computador no apartamento de seu pai.

Esse fato abriu um precedente inimaginável. "Nunca na história desse país", ou desse mundo, algo semelhante já havia acontecido. Mas como isso é possível? É relativamente simples: primeiro, consulta-se o provedor do site e toma-se nota da data, hora e endereço IP de quem postou a mensagem. Identificado qual a empresa de internet que forneceu aquele IP, é possível determinar qual foi o assinante e, melhor ainda, qual o enderço físico (chamado de MAC) do computador que utilizada o referido endereço IP naquele momento. Se, no caso, o MAC for o mesmo do computador presente na casa do pai de Rodney, então é fato que tal postagem partiu daquele computador.

Com o devassar das vidas dos usuários desses sites de relacionamento, álibis desse tipo se tornam iminentes e cada vez mais viáveis. Mas provar que aquele computador fez uma postagem no nome de um determinado usuário em determinada data apenas prova que alguém usou aquele computador naquela data para fazer uma postagem usando aquele usuário. Circular, não? Em outras palavras, como garantir que era Rodney Bradford sentado na frente da máquina e não alguém utilizando de seu usuário?

Se fizermos uma análise um pouco mais ampla, poderiamos aceitar como álibi outros frutos da tecnologia e é exatamente aqui que reside a periculosidade: imagine que eu seja fotografado por uma câmera digital em formato RAW (portanto inalterável). Na foto, eu apareço defronte ao Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Acessando o metadados do arquivo da foto, é possível saber quando a imagem foi gerada (data e hora). Através da imagem, é possível ter uma ideia de onde foi batida (no Rio de Janeiro). Agora imagine que eu esteja sendo indiciado por homicídio em Foz do Iguaçu, PR. O fato típico ocorreu cerca de 10min após a fotografia ser tirada. Será que a imagem é o bastante para provar que eu não estava no local do fato e, portanto, sou inocente? (a não ser que alguém pense ser possível vencer a distância de 1500km em 10min).

Outro caso: recebi uma chamada em meu aparelho de telefone celular quando eu estava no município de Limeira, SP por volta das 17h. Nos dias que se seguiram, sou indiciado por roubar um banco em Ubatuba, SP em horário próximo ao que recebi a chamada. Quebrando meu sigilo telefônico, notam que meu celular recebeu uma ligação naquele horário. Por triangulação dos sinais de antenas de celular, descobre-se que meu celular estava nas proximidades de Limeria, SP quando recebeu a ligação e, portanto, na hora do fato. Um chamada de celular que, comprovadamente, foi recebida a 260km do local do roubo é suficiente para me inocentar? Não seria possível alguém estar usado um celular registrado em meu nome?

Pense nisso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Revista Guns Magazine

Para os aficionados por armas, seguem links para download da Revista Guns Magazine, em inglês, dos meses de setembro, outubro e novembro de 2009. É uma revista sobre tiro esportivo, munições e acessórios com artigos sobre armas, caça e procedimentos.

Bom proveito!

sábado, 21 de novembro de 2009

Aspectos periciais da desinteligências em estabelecimentos que comercializam bebidas

(ou perícia em local de briga de bar)

O autor do blog Chi vó, non pó descreve que possui "uma enorme paixão (não correspondida) pelas ciências". Talvez eu padeça do mesmo mal (ou bem). Me entretenho com observações, me divirto com experimentos, me empolgo com teorias... Não é raro eu afirmar que os Caçadores de Mitos (Mythbusters), apesar dos vícios nos desenhos experimentais, possuem o emprego dos meus sonhos. Os apresentadores do programa propõem experimentos para testar a viabilidade de certos mitos e conhecimentos populares. Até mesmo trechos de filmes têm sua plausibilidade testada.

Mas não é apenas na televisão que se testam as hipóteses de conhecimento popular. Eventualmente, cientistas exploram essas hipóteses e publicam artigos com a temática. O mais recente que tive notícia trata daquelas cenas de filme envolvendo uma briga de bar na qual itens da mobília e garrafas de cerveja voam pelo recinto. Ou que um quebra uma garrafa na cabeça do outro e o entrevero continua como se nada tivesse acontecido.

Stephan Bolliger e colaboradores (2009) publicaram um artigo que visou testar a hipótese de que uma garrafada pode gerar um traumatismo craniano. Eles justificam o trabalho dizendo que “têm sido perguntados em tribunais se atingir a cabeça de um humano com uma garrafa é suficiente para fraturar o crânio e se garrafas cheias ou vazias são mais prováveis em causar tais lesões”. De acordo com a vivência dos autores, “garrafas de meio litro são comumente utilizadas como instrumentos em disputas” (com “disputa” eles quiseram dizer “brigas de bar”). Interessante notar que os autores foram criteriosos a ponto de utilizar garrafas de cerveja cheias e vazias no teste, além de estimar a energia necessária para fraturá-las.

Algumas pessoas podem dizer que o resultado do experimento é óbvio, com um sonoro "é claro que uma garrafa pode fraturar um crânio". Mas, até então, ninguém havia se dado ao trabalho de testá-la. O experimento aqui apresentado é um teste de hipótese como qualquer outro. Seguiu o método científico e foi aceito para publicação. E, apesar de parecer inútil, os conhecimentos dele emergidos podem e devem ser aplicados.

Em um caso envolvendo lesão corporal, a análise das lesões no corpo da vítima sugere características da arma utilizada. Quando se trata de armas de oportunidade (aqueles objetos que o fabricante não imaginou que pudessem servir como arma), nem sempre é fácil determinar qual foi o instrumento utilizado. No caso em tela, se a lesão for contusa, é possível que uma garrafa íntegra tenha sido utilizada. Se a lesão for incisa, uma garrafa quebrada pode ser o instrumento. Já se a lesão for mista (corto-contusa) é possível que a garrafa tenha se quebrado no momento do embate.

Eles estimaram que garrafas cheias se fraturam com uma energia de impacto de 30J, enquanto as vazias demandam 40J. Ë sabido que o crânio humano se fratura com um impacto entre 14,1 e 68,5J, dependendo da região de embate no escalpo (Yoganandan et al 1995). Logo, uma garrafada poderia causar um traumatismo craniano grave, dependendo da região do calvário atingido.

Além disso, com os dados do paper, podemos extrapolar conclusões na localística: se a vítima foi atingida por uma garrafa e não sofreu traumatismo, então a garrafa a ser buscada no local do evento deve estar íntegra, e vice-versa.

Outra questão pertinente diz respeito à capacidade de um suspeito em imprimir certa energia à arma do crime. Suponhamos que uma vítima tenha sofrido fratura de crânio e que no local houvesse uma garrafa quebrada e vazia (aqui denotada pela ausência da tampa). De antemão, sabemos que a energia necessária para tal feito é superior à 40J. Um quesito possível seria se um determinado suspeito (uma mulher franzina, por exemplo) seria capaz de quebrar uma garrafa na cabeça da vítima. Fazendo uma releitura pericial do quesito: se uma mulher franzina seria capaz de imprimir uma aceleração tal na garrafa vazia de forma que a energia de impacto fosse no mínimo de 40J. Tal releitura não seria possível sem os dados do trabalho de Bolliger et al (2009)!

Portanto, o trabalho não é tão inútil assim. Ele agrega conhecimento: possui hipóteses testáveis (e, portanto, falseáveis), emprega um método válido e traz conclusões tangíveis... Aprecio essa ciência popperiana. Indicar esse trabalho para o IgNobel talvez fosse um exagero. Mas quem disse que os artigos indicados para o prêmio não são científicos?

PS- Alguns indivíduos menos favorecidos (para não dizer idiotas) colocaram vídeos no Youtube que comprovam que nem sempre a garrafa de cerveja é mais resistente que alguns cabeças-dura, como no vídeo abaixo:




PSS- Mas de vez em quando acontece:




Artigos citados:

Bolliger et al. 2009. Are full or empty beer bottles sturdier and does their fracture-threshold suffice to break the human skull? Journal of Forensic and Legal Medicine 16: 138-142.

Yoganandan et al. 1995. Biomechanics of skull fracture. Journal of Neurotrauma 12: 659–68.


Link relacionado e recomendado:

RNAm - Garrafas, garrafas... briga de bar também é Ciência!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Unificação dos Sistemas Informatizados

O setor público vem se modernizando cada vez mais. O controle na distribuição de expedientes, relatórios de produção, controle de folha de ponto, férias, viagens e utilização de viaturas são vantagens da utilização dos sistemas informatizados no que se refere a minimização da burocracia do serviço público.

Do ponto de vista técnico-pericial, fazem-se necessários vários bancos de dados para uma melhor qualidade e eficiência em diferentes ramos do trabalho pericial.

Sistemas de Informações Geográficas (SIGs), em âmbito federal, são utilizados para mapear criminalidade, logística e planejamento de novas ações. Ocorre que a produção do conhecimento geográfico governamental é muito difusa. Ibge, Embrapa, Ibama, IcmBio, Defesa Civil, TCU, Incra, Inpe, Secretarias Estaduais, Ministérios, Exército Brasileiro, Polícias Federal, Civil e militar, além de órgãos periciais independentes produzem informações geográficas que nem sempre são compartilhadas.

Alguns estados da federação já estão digitalizando suas fichas de identificação civil, possibilitando o uso de sistemas informatizados para buscar impressões datiloscópicas e agilizando todo o serviço de identificação. Ocorre que, quando se encontra um fragmento datiloscópico em um local de crime, o perito/papiloscopista tem que torcer para que o autor seja do seu estado ou, no caso da Polícia Federal, já tenha passagem criminal. Neste sentido, já há esforços na integração dos sistemas mas como não há um programa federalizado, muitas dificuldades envolvendo licença dos programas e integração da rede de computadores. Certamente a recente aprovação do RIC, Registro Único de Identificação Civil, irá contribuir para uma melhor integração.

Além disso, documentos administrativos, como levantamento de preços de equipamentos e insumos poderia ser compartilhado. Para que reinventar a roda? Não é porque a estrutura política do país é fragmentada que temos que ser independentes. Recentemente, o "Sistema Criminalística", desenvolvido por peritos da Polícia Federal, foi premiado no "Concurso de Inovação na Gestão Pública". Mesmo assim, em vários estados sistemas semelhantes vêm sendo desenvolvidos com o mesmo fim e sem nenhuma integração.

"Quem não se comunica se trumbica" já dizia o velho Chacrinha.

link relacionado:
Sistema Nacional de Gestão de Atividades de Criminalística do Departamento de Polícia Federal

sábado, 14 de novembro de 2009

A digital de Da Vinci

"Especialistas acreditam ter identificado uma nova pintura de Leonardo Da Vinci graças a uma impressão digital do mestre renascentista encontrada no topo esquerdo de um quadro. Trata-se do retrato de uma jovem, até então atribuído a um artista alemão do século XIX e vendido a 19.000 dólares (33.000 reais). Se confirmada a autoria de Da Vinci, o quadro poderá valer dezenas de milhões de dólares.

A digital, referente ao dedo indicador ou médio, foi identificada pelo especialista em arte forense Peter Paul Biro. Ao examinar imagens da pintura com uma câmera multiespectral, que capta luzes invisíveis ao olho humano, Biro viu uma "grande semelhança" com uma digital de Da Vinci encontrada no Vaticano, afirma reportagem da Antiques Trade Gazette. Os estudos mostraram ainda que a obra foi feita por um canhoto - como Da Vinci.

O retrato, conhecido como Uma Jovem de Perfil em Vestido Renascentista, mede 33 cm x 22 cm e mostra uma garota com trajes e penteado referentes a moda milanesa do final do século XV - suspeitas reforçadas por análises de carbono. A pintura foi leiloada em 1998 por 19.000 dólares e, em 2007, por quantia semelhante, passou para as mãos de um colecionador canadense. Ela deverá ser exibida no ano que vem na Suécia"

Fonte: Veja.com.br

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O Crânio de Hitler é de uma mulher?

Pesquisa concluiu que ossos guardados desde 1945 como sendo do ditador nazista pertenciam a uma mulher de 40 anos. Descoberta põe em dúvida tese de suicídio

"Pesquisadores da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos, afirmam ter constatado que o suposto crânio de Adolf Hitler, descoberto no final da 2ª Guerra Mundial, na verdade pertenceu a uma mulher. A suspeita foi levantada pelo arqueólogo Nick Bellantoni, que percebeu que os ossos eram finos demais para um homem. Além do sexo, a idade do crânio no momento da morte não seria compatível com a de Hitler: 40 anos, em vez de 56.

A descoberta põe em dúvida a tese de que Hitler teria se matado em abril de 1945 devido à iminência de sua derrota para os soviéticos - algo que era tido como verdade histórica até então. O crânio supostamente falso, com uma marca de tiro, era a principal evidência de seu suicídio. Caso os testes sejam confirmados, pode ser impossível determinar o verdadeiro destino do ditador alemão.

Até então, acreditava-se que os soviéticos haviam encontrado o cadáver de Hitler em um bunker pouco depois de sua morte. Posteriormente o cadáver foi cremado, conservando-se apenas o crânio e parte da mandíbula.

Entrevistado pelo tabloide inglês The Sun, Bellantoni afirmou que é impossível determinar se o crânio pertencia à esposa de Hitler, Eva Braun, que supostamente estava com ele no momento de seu suicídio. `Poderia ser qualquer pessoa. Muitas pessoas morreram na região próxima ao bunker´, disse." (Fonte: Revista Época)

Quando li essa reportagem, logo pensei nas várias formas possíveis de se determinar o sexo dos tais fragmentos ósseos. A antropologia nos dá algumas idéias: além do já citado no texto (ossos craniais masculinos tendem a ser mais grossos que os femininos), uma análise da mandíbula poderia trazer alguma informação, pois mandíbulas masculinas são mais robustas que as femininas.

Mas por que não fazer um teste genético para determinar a sexagem? Essa pergunta me pareceu tão óbvia que já havia sido respondida: Linda Strausbaugh, geneticista da Universidade de Connecticut, fez essas análises e advinha? O DNA era de uma mulher.

Um novo documentário do canal History Channel, intitulado "A fuga de Hitler", promete explorar o tema com mais profundidade. Ainda não tive a oportunidade de assisti-lo, mas assim que o fizer postarei mais informações sobre o tema.

sábado, 7 de novembro de 2009

Mais sobre gaiola de Faraday

Quando escrevi o post anterior, fui explicar para uma escrivã amiga que se tratava do mesmo efeito responsável pelo fato de não sermos atingidos por raios dentro de um carro, que funcionaria como uma "Gaiola de Faraday". Aí vieram duas perguntas: 1) Um envelope de papel alumínio poderia servir de Gaiola de Faraday? 2) Porque o celular funciona dentro do carro, que é uma "Gaiola de Faraday"?

1) Utilizando uma folha de papel alumínio comum (de embalar alimentos) e o meu celular fiz um teste. Depois, troquei por outro aparalho de outra marca. Ambos ficaram "fora de área". O site da Paraben diz que o envelope deles é eficiente para várias freqüências. Não foi possível testar a eficiência do alumínio na blindagem do celular, mas se mostrou que ele funciona e pode ser utilizado na ausência da "Faraday Bag" como uma alternativa à perícia tupiniquim com aquele bom e velho jeitinho brasileiro. Outras Gaiolas de Faraday que também bloquearam o sinal do celular foram microondas e panelas de ferro. Abaixo fotos do experimento com o papel alumínio. Uma recomendação técnica é que seja deixado o mínimo possível de fio (cabo USB para realização dos exames, por exemplo) para fora do envelope, evitando assim que o cabo sirva de antena para os sinais eletromagnéticos.



2) Uma das coisas mais gostosas de trabalhar na perícia é que você sempre conhece alguém que pode responder suas perguntas. Enviei essa pergunta por email pra um colega perito Doutor em Engenharia Elétrica, o Gustavo, e a resposta segue abaixo.

"Porque o carro não é uma gaiola perfeita, apenas para uma faixa de freqüências, ou para campo elétrico (lembre-se das janelas). Aliás, esse lance de gaiola de faraday é meio esquisito. São duas coisas diferentes: gaiola de faraday para campo elétrico e para sinais eletromagnéticos. No segundo caso, para se bloquear um sinal eletromagnético, uma das exigências é que eventuais furos não sejam maiores do que o comprimento de onda. No celular, este comprimento é de poucos centímetros, de modo que não precisa ser um alumínio todo fechado (e a janela do carro é suficiente pra passar). Dá uma lida no início de http://en.wikipedia.org/wiki/Faraday_cage"

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Celular de bandido também na gaiola!

Um dos problemas da perícia em celulares é a sensibilidade das provas. Os registros de ligações podem se apagar com o tempo em alguns aparelhos. Smartphones bastante populares como o Iphone (Apple) e N95 (Nokia) possuem softwares antifurto que podem bloquear o celular ou até apagar dados remotamente. Ainda, informações importantes podem ser perdidas ao se retirar a bateria ou quando o aparelho recebe novas ligações/mensagens durante a realização dos exames.

Para minimizar esses efeitos, a solução tecnológica apresentada é utilizar a blindagem eletrostática de uma "Gaiola de Faraday". Como se pode ver na foto, nada mais é que uma sacola condutora que impede a passagem de ondas eletromagnéticas e, consequentemente, a comunicação do celular com as antenas da operadora de telefonia.



A "Faraday bag" acima, da marca Paraben Forensic, é vendida por 30 dólares pelo site do fabricante. O curioso é que alguns passaportes mais recentes estão vindo com transmissores e o site também vende uma sacola de proteção por 20 dólares específica para garantir a privacidade do seu passaporte.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

"Crime e castigo" na vida real

Consequências da falta de punição sem a pitada literária de Dostoiévski

Não é pouco frequente eu ouvir críticas de policiais à justiça brasileira. Os comentários geralmente culminam com frases do tipo "não adiantea nós prendermos os bandidos, se o juiz manda soltar". Imaginei que o assunto daria um bom post neste espaço, mas fiquei em dúvida acerca do que explorar sobre o assunto. Até que eu li este post do blog Chi vó, non pó, sobre um artigo publicado em um periódico europeu e que tem como um dos autores o brasileiro José Roberto Iglesias, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O artigo, cujo título traduzido é "Crime e punição: o fardo econômico da impunidade", mostra que o crime é uma atividade econômica importante e que pode representar um mecanismo de distribuição de riqueza (como uma espécie de "Síndrome de Robin Hood"). Entretanto, a criminalidade também um fardo econômico-social, já que demanda custos ao sistema legal e de manutenção da ordem. O mesmo texto ainda discute que "algumas vezes pode ser menos custoso para a sociedade permitir um certo nível de criminalidade. Um efeito negativo de uma tal política é que pode levar a um alto aumento das atividades criminosas que pode se tornar difícil de reduzir".

O objetivo do trabalho que mais chama a atenção, entretanto, é a investigação do nível de manutenção legal necessário para manter o crime dentro de limites sócio-economicamente aceitáveis e demonstração de que há uma brusca extrapolação de tais níveis em função da probabilidade de punição. Em outras palavras, quanto menor a taxa de punição, maior a criminalidade e menores as taxas de desenvolvimento econômico.

Outro ponto relevante àqueles que trabalham com segurança pública é que "a resposta à atividade criminosa não é tão dependente assim do número de policiais, mas depende muito mais diretamente da efetiva aplicação de punições aos criminosos." Se fizermos uma análise fria desse resultado, concluiríamos que a maior fatia dos investimentos públicos deveriam estar no sistema carcerário em detrimento de aumento do efetivo policial. Claro que não é bem assim. Basta pensar na razão número de policiais por habitante existente no Brasil: a Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda um razão de 1 policial para cada 250 habitantes (ainda que eu não tenha encontrado a fonte oficial dessa informação). No Brasil, somando policiais civis, militares e corpo de bombeiros, a razão é próxima de 350 hab/policial (o mesmo que 287 policiais para cada 100mil habitantes).

Particularmente, penso que a questão da criminalidade é influenciado por uma concorrência de fatores. Não podemos ignorar que há brechas em nossa legislação penal. A culpa não pode ser (somente) de quem julga, mas do sistema como um todo. O resumo do artigo aqui explorado, nas palavras do autor de Chi vó, non pó, é "não adianta a polícia prender, se a justiça não condena", uma conclusão bem próxima dos reclames que tenho ouvido dos policiais... Mas não é tão simples assim. Falta investimento, integração e cooperação entre os órgãos de segurança pública nacionais. Já deveríamos ter aprendido que nosso modelo desintegrado (para não dizer desorganizado) não é producente na redução da criminalidade.



Nota extra-postólica: vale refletir sobre o comentário de um sarcástico colega, que diz "ainda bem que o crime existe, pois se assim não fosse, estaria desempregado."

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Álcool no sangue de cadáveres: uma revelação.

Estive pensando sobre a dosagem de alcoolemia e uma dúvida pairou em minha mente: como se faz dosagem alcoólica em cadáveres? A resposta é simples: por meio de uma amostra sanguínea analisada em cromatografia gasosa. Mas será que a concentração de álcool no sangue de um cadáver não pode estar aumentada em função da fermentação alcoólica bacteriana?

Se isso de fato ocorrer, como avaliar se um indivíduo estava ou não sob efeito do álcool quando do evento morte? Calma lá: uma coisa é definir se havia álcool no sangue da pessoa, outra é definir se ela estava sob efeito do álcool. Claro, entretanto a presença de etanol em amostras de tecido humano coletadas durante a necrópsia é geralmente considerada um indicativo de consumo de bebida alcoólica ante mortem. Mas será que o processo fermentativo gera álcool no sangue de cadáveres?

Uma rápida busca no Web of Science me respondeu que sim. Num artigo de 1993, Canfield e colaboradores relataram de 975 amostras de sangue oriundas de cadáveres de acidentes aéreos, 79 excediam 40mg/dl de álcool no sangue. Destes, 21 eram de origem endógena (fermentação alcoólica post mortem). Isso foi determinado por meio da análise da distribuição etílica na urina, no humor vítreo e em outros tecidos.

Os mesmos autores ainda relatam que em dois casos a produção de álcool post mortem excedeu os 150mg/dl. Isso equivale a 1,5g/l ou 0,15% (lembre das informações deste post em que o legalmente tolerado é de 0,02%). Em outras palavras, é possível que um cadáver seja tido como alcoolizado quando de fato não estava.

Há alguns métodos para detectar a presença de bactérias no sangue (com base no bom e velho PCR, já explorado neste blog - vide Kupfer et al. 1999) ou de inibir a fermentação após a coleta (vide Amick & Habben 1997). No entanto, estes métodos não resolvem o problema: o primeiro apenas aponta que aquele etanol encontrado no sangue pode não ter sido ingerido e o segundo impede a fermentação após a coleta, não antes.

Fato é que a interpretação da presença de álcool em amostras sanguíneas coletadas de cadáver nem sempre é de fácil interpretação. Nem sempre o de cujus tomou algumas biritas antes do óbito.


Artigos citados:

Amick, G.D. & Habben, K.H. 1997. Inhibition of ethanol production by Saccharomyces cerevisiae in human blood by sodium fluoride. Journal of Forensic Sciences 42(4): 690-692.

Canfield et al. 1993. Postmortem alcohol production in fatal aircraft accidents. Journal of forensic Sciences 38(4): 914-917.

Kupfer et al. 1999. PCR-based identification of postmortem microbial contaminants - A preliminary study. Journal of Forensic Sciences 44(3): 592-596.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Avaliação de Imóveis Rurais é do Perito Oficial

Agora em 29 de setembro o Tribunal de Justiça da Paraíba condenou a Prefeitura de João Pessoa a pagar 2,9 milhões de indenização por uma área desapropriada considerando Laudo Pericial ao invés da avaliação dos técnicos da prefeitura.

O relator do processo, desembargador Antônio de Pádua Lima Montenegro, afirmou em seu voto "que deve ser arbitrado o valor informado pela Perícia Oficial, que é o meio de prova indispensável". (Fonte: Conjur.com.br)

Neste contexto, venho divulgar o curso ao lado sobre Avaliação de Imóveis Rurais de acordo com a Norma NBR 14653-3, a ser realizado na Bahia de 5 a 7/11/2009 pelo Prof. Carlos Arantes, autor de três livros:

- Perícia Ambiental - Aspectos Técnicos e Legais
- Avaliação de Imóveis Rurais - Norma NBR 14653-3 - comentada
- Agroindústria - Uma Análise no Contexto Socioeconômico e Jurídico Brasileiro

Quem tiver interesse de comprar os livros, a venda é feita diretamente pelo autor através do e-mail arantes@pericia.eng.br

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"Alcohol Killer"?

Enquanto procurava informações para escrever o post anterior, deparei-me com um site que descrevia um produto descrito como "uma inovadora bebida funcional que melhora o processo natural de desintoxicação". No site que o descreve (traduzido e original em inglês), há a informação de que a bebida, intitulada Alcohol Killer, contém "um extracto natural, bem como uma mistura única de outros ingredientes naturais de elevada qualidade e água mineral do Alpes Austríacos".

Mas o melhor está por vir: "Alcohol Killer® trabalha naturalmente com o corpo para reduzir os efeitos nocivos do álcool e é uma excelente solução para as ressacas. Além do mais, resultados de testes Europeus e Americanos demonstraram que consumir Alcohol Killer® imediatamente antes e após consumir bebidas alcoólicas, resulta numa redução significativa do nível de teor de álcool no ar expirado (TAE)". Será? O gráfico abaixo ilustra a funcionalidade da tal bebida:


Parece promissor, mas não encontrei qualquer referência ao produto ou ao tal "extrato natural" que me desse qualquer embasamento científico para o produto. Sem qualquer dado cinetífico publicado, fica difícil engolir o que propõe a propaganda. Em princípio, me parece mais um daqueles produtos com apelo comercial que vem tentar ocupar um espaço exatamente na demanda de mercado. Prova disso é que no site do Alcohol Killer há propaganda de outras bebidas funcionais "inteligentes", como "Body Fat Killer", "Free Radicals Killer" e os fantásticos "Cellulite Killer" e "Age Killer" (?!?!?!?).

Abaixo está um vídeo instrutivo sobre quando se deve usar o produto:


Fica aqui a deixa para farmacêuticos, bioquímicos, toxicólogos e químicos forenses deixarem sua opinião a respeito. Questões relevantes e que seriam de bom grado que os colegas postassem nos comentários seriam: É possível um princípio ativo nestes moldes? Caso afirmativo, haveria efeitos colaterais? Que consequências periciais poderiam ser discutidas?

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Tim, tim.... à lei seca.

Recentemente, em uma mesa de bar, um amigo me perguntou quanto tempo ele deveria esperar após beber para que sua alcoolemia caísse abaixo dos limites tolerados na legislação vigente. Confesso que não soube responder a questão de imediato, mas a pergunta ficou martelando em minha cabeça e assim permaneceu até eu encontrar uma resposta coerente.

Para responder à pergunta, seria necessário dispor de alguns dados relevantes, como qual a concentração de álcool no sangue da pessoa estudada, qual o limite de concentração alcoólica no sangue tolerado pela legislação e qual a taxa de eliminação do álcool sanguíneo. Pois bem, passei a procurar estes dados para formular uma resposta ao meu amigo.

Começamos mal. Como eu iria saber qual era a concentração de sangue no álcool de meu amigo? Ops... digo, de álcool no sangue do amigo? Consultando o oráculo do mundo pós-moderno (vulgo Google), encontrei uma entrevista feita pelo Dr. Dráuzio Varella que trazia a informação de que "duas latas de cerveja, ou uma dose de bebida destilada forte, como uísque ou vodca, diluída em água ou soda, ou um copo, um copo e meio de vinho. Uma dessas doses fará com que a alcoolemia alcance quase 0,6g/l". Não contente, procurei alguma forma de estimar tal concentração e encontrei um simulador bastante interessante. Considerando que meu amigo já havia consumido uma garrafa de cerveja (600ml) e terminava uma dose de uísque com energético, posso dizer que sua alcoolemia devia estar perto, mas abaixo dos 2,0g/l de sangue, pois já apresentava alteração da personalidade e mudança de comportamento, mas não vomitava (ainda).

No passado, a legislação (na forma do Código Nacional de Trânsito) aceitava um concentração alcoólica de até 0,6g/l de sangue. Com o advento da Lei 11.705/08 e do decreto 6.488/08, passou-se a não tolerar qualquer concentração de álcool no sangue, apesar de estabelecer que "as margens de tolerância de álcool no sangue para casos específicos serão definidas em resolução do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, nos termos de proposta formulada pelo Ministro de Estado da Saúde". Enquanto isso não acontece, aceita-se 2dg/l, o que equivale a 0,2g/l.

A questão agora era saber em quanto tempo a concentração de álcool no sangue desce de 2,0 a 0,2g/l. A velocidade com que o álcool é metabolizado e eliminado do corpo varia de pessoa para pessoa e depende de diversos fatores, como idade, sexo, peso, alimentação e a quantidade de álcool consumido. Em média, uma pessoa saudável consegue eliminar aproximadamente 15 ml de álcool por hora (segundo o oráculo). Esta é a quantidade de álcool presente numa lata de cerveja (330 ml) ou num copo de vinho (150 ml).

Se fizermos a conta proporcional, seria o equivalente a uma taxa de decaimento alcoólico próxima de 0,005g/l/min ou 0,3g/l/h. Logo, para a alcoolemia baixar de 2,0 para 0,2g/l seria necessário cerca de 6h. Conclusão: é melhor chamar um táxi.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Modelo de Laudo

Em homenagem ao feriado de 12 de outubro, também conhecido como dia das crianças, encaminho aos senhores leitores um bom modelo de laudo para entregar às autoridades apressadas que exigem um laudo ainda no local de crime! :)

sábado, 10 de outubro de 2009

É seguro utilizar Luminol?!


Todo mundo que já viu CSI lembra de cenas de crime com um vestígio brilhante de sangue sendo encontrado mesmo após uma tentativa de lavagem e ocultação. De fato, o Luminol é uma substância maravilhosa para a perícia criminal. Contra ele pesam somente sua rápida degradação e alguns falsos positivos (água sanitária, por exemplo).

Esses dias, conversando com peritos amigos, perguntaram-me se aquele líquido que brilha ao entrar em contato com fluido humano é seguro para o perito que o utiliza. Será que luminol faz mau? Não sabia responder e fui investigar.

O luminol brilha porque, ao ser aplicado com água oxigenada e hidróxido de sódio, sofre uma reação de oxidação quimioluminescente emitindo fótons (luz visível) quando catalisada pelo ferro presente na hemoglobina sanguínea (Fonte: HowStuffWorks Brasil). Entre as vantagens de utilização estão sua grande sensibilidade a presença de sangue e o fato de não prejudicar a tipagem nem outros exames sanguíneos. Na década de 60, chegou a ser utilizado pra tratamento de calvicie e para promover coagulação sanguínea.

O Prof. Dr. Cláudio Lopes da UFRJ desenvolveu tecnologia própria para produção de um luminol 100% nacional e chegou a sugerir uma nova nova utilização: revestir fuselagem de avião para facilitar sua localização em caso de acidentes (Fonte: Aeroblog).

No Reino Unido e em alguns outros países europeus, porém, sua utilização vinha sendo questionada por conta de possíveis riscos à saúde. De fato, os fabricantes advertem que ele pode ser irritante para os olhos, sistema respiratório e pele; outros chegam a citar uma possível mutagenicidade.
Alguns estudos in vitro mostram que o Luminol interfere na replicação, recombinação e reparo de DNA de ramster e aumenta a troca de cromátides irmãs em células humanas cultivadas. Estudos toxicológicos in vivo, contudo, mostram que essa substância é rapidamente absorvida e eliminada através da urina, não sendo considerada mais tóxica do que outras substâncias utilizadas no "mix do luminol" como o hidróxido de sódio (alcalóide) e o peróxido de hidrogênio (agente oxidante). (Fonte: Revisão de Larkin & Gannicliffe, Revista Science and Justice 48, 2008, p.71–75)
Essa revisão conclui que, utilizando os devidos Equipamentos de Proteção Individual (roupas, luvas e máscaras adequadas) tanto na preparação dos reagentes como na aplicação do luminol, a utilização do "mix de luminol" é segura. Ressaltam, ainda, que o luminol permanece em suspensão até 30min após sua utilização e que o perito deve ser responsável pelo isolamento do local para evitar que outras pessoas se contaminem após os exames.
Resumindoo: Muito cuidado ao utilizar o Mix de Luminol!!!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Peritos x Papiloscopistas

Enquanto isso, nos bastidores...

Recentemente foi aprovada a Lei n° 12.030, que atribui regime especial de trabalho e autonomia e exclusividade da perícia criminal para "peritos criminais, peritos médico-legistas e peritos odontolegistas com formação superior específica detalhada em regulamento".

Essa Lei, que entra em vigor a partir de 17/12/2009, pode ser considerada uma grande conquista dos Peritos apesar do veto presidencial ao art 4, que garantiria a perícia criminal como atividade própria de estado. O veto presidencial ocorreu após uma grande pressão dos Papiloscopistas que lutaram com unhas e dentes contra essa lei desde que estava em discussão no congresso.

A partir de 17 de Dezembro, com a legislação que temos hoje, o documento de confronto de impressões digitais emitido por Papiloscopista precisará estar consignado através de "Laudo Pericial" por um Perito Criminal para ter valor de prova material no âmbito criminal.

Em muitos lugares, como a Polícia Científica de São Paulo por exemplo, os Papiloscopistas participam do local de crime sob coordenação dos peritos e emitem um documento informando o resultado do confronto papiloscópico dos fragmentos encontrados no local com eventuais suspeitos e bancos de dados. Em outros lugares, como a Polícia Federal, esse documento vem sendo chamado de "Laudo Papiloscópico" e vem sendo considerado prova judicial pelo entendimento de tribunais superiores (até a vigência da Lei 12.030 logicamente).

Sob o argumento de que fazem "Laudos", os Papiloscopistas vêm lutando para se tornarem "Peritos Oficiais" (Projeto de Lei 5649/2009) e a nomenclatura do cargo seria alterada pra "Perito Papiloscópico" (Projeto de Lei 977/2009 que segue anexo ao PL anterior). Assim, a perícia papiloscópica ficaria com eles. Os Papis se tornariam "Peritos" e lutariam por um melhor reconhecimento salarial.

Por outro lado, os Peritos temem a inclusão de Papiloscopistas sem nível superior que derrubariam o argumento para um salário maior, de nível superior, e argumentam sobre a exigência de concurso específico para entrar no cargo de Perito. Pessoalmente, não sou contra os Papis serem considerados Peritos, mas a maioria dos Peritos são e estão lutando no congresso nacional contra a aprovação de seus projetos de lei.

Só lamento que estejamos travando batalhas internas e perdendo tempo e energia num momento em que deveríamos estar juntos lutando por conquistas da Polícia Técnica como um todo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Kary Mullis, PCR e a revolução da criminalística

Já comentamos neste blog sobre os exames de DNA em meio criminal, ressaltando a possibilidade (ou não) de sua falsificação. Para aqueles que já se perguntaram como é possível obter um perfil genético de uma amostra biológica tão exigua quanto uma impressão de lábio num copo, aqui vai a resposta: PCR. A sigla, traduzida, quer dizer Reação em Cadeia da Polimerase (ou, em inglês, Polymerase Chain Reaction).

De forma simplificada, trata-se de uma reação que permite a criação de cópias de uma molécula de DNA (ou parte dela) a partir de regiões flanqueadoras e de uma enzima chamada Taq DNA Polimerase. No meio laboratorial, essa procedimento de criar cópias é chamado de amplificação e, por meio deste, amostras contendo pouquíssimo DNA (como as forenses) pode ser analisada.

A técnica foi desenvolvida por Kary Banks Mullis, em 1983, e rendeu um prêmio Nobel de Química dez anos depois. Dizem que que Mullis ficou tão $ati$feito com seu invento que mudou para uma praia e virou surfista (vide a capa de seu livro ao lado, cujo nome em tradução livre ao português é "Dançando nu no campo da mente"). Segundo Therese Littleton, "Mullis é um cara facinante e sua autobiografia vai enterrar para sempre o esteriótipo do cientista nerd e sético".

Para rir um pouco, dê uma olhada nesse criativo vídeo sobre o PCR e a música em sua homenagem:



sábado, 3 de outubro de 2009

"Não alimente os trolls"... nem os assistentes técnicos

Recentemente, conversando com meu amigo Gabriel Cunha, fui apresentado a um termo utilizado na esfera blogeana que eu não conhecia. Trata-se do verbete "troll". Troll, segundo o Bule Voador, "é uma pessoa cujo comportamento tende sistematicamente a desestabilizar uma discussão, provocar e enfurecer as pessoas envolvidas."

No contexto da internet, são aqueles usuários que postam comentários inoportunos apenas pela suposta diversão de, ao pé da letra, "ver o circo pegar fogo". Há, inclusive, companhas na comunidade blogueira que visam a não "alimentação" dos trolls (traduzido do slogan em inglês “don’t feed the trolls”) e que constumam aparecer associadas à imagem à direita. Ainda segundo o Bule Voador, "o comportamento do troll pode ser encarado como um teste de ruptura da etiqueta. Perante as provocações insistentes, as vítimas podem perder a conduta civilizada e envolver-se em agressões pessoais. "

Mas por que raios publicar um post sobre trolls em um blog que se propõe a discutir pericia criminal? Aqui é que está o pulo do gato: o processo penal, no que tange as provas materiais e suas interpretações no judiciário, possui seus próprios trolls. Diferente da esfera blogueira, entretanto, os trolls judiciais recebem o nome de assistente técnico. A figura deste profissional é prevista no Código de Processo Penal (vide art. 159) e sua atribuição seria auxiliar defesa e/ou acusação na interpretação das provas materiais, especialmente aquelas exploradas no laudo pericial expedido pelo perito criminal. Essa é a teoria. Na prática, muitos assistentes técnicos agem como verdadeiros trolls, vejam:

1) introduzem, em seus pareceres técnicos, questionamentos que não fazem sentido teórico, já prevendo uma grande reação em cadeia, geralmente polêmica, sobre as provas materiais em análise, apenas para reduzir a credibilidade do laudo pericial (como fazem os trolls com posts em blogs);

2) sempre que ao seu alcance, um assistente técnico tentará induzir o julgador a concluir pela contradição científica dos comentos presentes no laudo pericial. Seu ataque mais direto será contra as hipóteses que desfavorecem seus representados. Seu ataque mais rasteiro será induzir o julgador a tirar falsas conclusões sobre o laudo pericial, apontando controvérsias e contradições totalmente inexistente (como fazem os trolls);

3) alguns assistentes testam a paciência dos peritos, induzem e persuadem o relator do laudo a perder o bom senso na discussão e apelar para questões pessoais. Com isso, o assistente expõe seu interlocutor, pois consegue que o perito fique mal visto frente ao julgador, por ter descido a tão baixo nível (como fazem os trolls);

4) o assistente tende a repetir seu conjunto de falácias (argumentos logicamente inconsistentes). Comenta seletivamente os argumentos do laudo e repete a mesma linha de raciocínio e doutrinação. É um método usado para levar o perito (e o julgador) ao cansaço, ”vencendo” a discussão por abandono de quem o questiona. São várias as falácias empregadas com esse propósito. As mais comuns são o argumentum ad hominem, o argumentum ad ignorantiam e o dicto simpliciter. Há outras falácias aristotélicas utilizadasdas (vide Wikipedia);

5) um assistente pode ter bom nível intelectual (e geralmente tem), um vocabulário sofisticado, desfilar referências e contradizer os argumentos do perito por conhecimento e pesquisa, muitas vezes visando expo-lo ao ridículo e questionando sua formação educacional (como fazem os trolls);

6) também acontece de um assistente acusar tacitamente o perito de ser parcial. É uma manobra diversionista. Tira de si mesmo a premissa de parcialidade e abre caminho para as alternativas anteriores (novamente, como fazem os trolls).

Para os que ainda não se convenceram, basta lembrar do caso Isabela Nardoni, quando os advogados dos acusados contrataram os assistentes técnicos George Sanguinetti Fellows e Delma Gama e Narici que foram a público "desqualificar" os trabalhos da perícia paulista. Há outros casos nacionais que mostraram exatamente a mesma dinâmica num passado recente, como o caso PC Farias (envolvendo Padan Palhares). Curiosamente, tenha relação ou não com o escritos supra, ainda não tive a oportunidade de me deparar com um assistente técnico que tenha atuado gratuitamente.

Mas, claro, há de se ressaltar que existem assistentes técnicos que são da maior competência técnico-científica e de moral absolutamente ilibada, ainda que eu não os tenha conhecido. Um colega do norte apelidou esses profissionais de E.T., pois muitos dizem que já os viram, mas ninguém prova sua existência. Outra interpretação para a sigla seria "Extra Tribunais", em referência à existência de cientistas naturais competentes, mas fora das cortes judiciárias.

Infelizmente, por força da lei, não pode o perito criminal se eximir de responder aos questionamentos de um assistente técnico, como tem sido feito com os trolls na internet. A expedição de um laudo complementar é obrigatória quando requisitada. Resta aos peritos que não alimentem os assistentes técnicos. Que leiam os pareceres e identifiquem suas estratégias. Que não mordam a isca. Que respondam com cautela aos quesitos e sem perder a elegância. Que lembrem o assistente das passagens do laudo que eles "esqueceu" de considerar no parecer. Se há algo que um perito não pode abrir mão, é da robustez de seu trabalho e da credibilidade de seu nome.


(A quem interessar: se você se sentiu ofendido ou incomodado com qualquer das colocações deste ou de qualquer outro post, fica aqui o espaço aberto para a postagem de opiniões divergentes, assegurando o direito de resposta.)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Sinal de TV a cabo não é energia... só para o Poder Judiciário

Já há algum tempo, me deparei com alguns colegas discutindo um caso de furto de sinal de TV a cabo. De início fiquei confuso com a temática, já que esses casos costumam ser relativamente simples de serem feitos: constata-se a ligação e a investigação que defina, juntamente com a empresa responsável pelo sinal, se aquela ligação deveria ou não esta ali. Mas meus colegas se engalfinhavam com a tipificação penal do fato... se era furto (art. 155 do CP - "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel"), estelionato (art. 171 do CP - "obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.") ou se era um conduta atípica (ou seja, uma ação que não configura crime).

Talvez seja eu sendo inoportuno, mas penso que há peritos que adentram mais do que deveriam nos meandros jurisprudenciais que guardam relação com os fatos de interesse criminal que atendem. De fato, há disposições jurídicas que colocam a conduta de desvio de sinal de TV a cabo como furto na modalidade prevista no parágrafo terceiro ("art. 155, §3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico."), mas também há disposições dizendo que se trata de conduta atípica (o que, basicamente, é admitir que sinal de TV a cabo não é energia - vide este acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais).

Pericialmente, pouco importa qual a interpretação que os juristas darão às informações do laudo pericial no que se refere a tipificação. Fato é que ao colocar um voltímetro entre os terminais de um cabo coaxial oriunda da empresa de TV a cabo haverá diferença de potencial. Logo, pelo cabo passa energia! Ponto! O laudo não é o documento que tipifica o crime. Nem é o perito que deve faze-lo. Portanto, quando aparecerem quesitos no sentido de determinar se o sinal de TV a cabo constitui ou não energia, devemos responder que sim e não nos atermos às repercussões jurídicas desta resposta.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Ordem espontânea no trânsito, ou: a Europa imita o Brasil

E quem disse que as ciências humanas não contribuem com o meio pericial? Segue um post do colega filósofo e colaborador Ortegão.

Aviso: todos os artigos lincados neste texto são em inglês.

Baseando-se no trabalho do falecido urbanista Hans Monderman, algumas cidades na Europa estão fazendo, com bons resultados (PDF), uma experiência que pode parecer um contra-senso: eliminando toda a sinalização de trânsito. Placas, faixas, sinalização semafórica, vai tudo embora. O resultado, até agora, tem sido positivo: à diminuição do número de acidentes soma-se uma sensível melhora do fluxo de veículos, e cada vez mais cidades na Holanda e na Alemanha aderem ao experimento.

A explicação psicológica, sociológica, econômica ou filosófica para este resultado é bastante simples, e faz sentido. Basicamente, a ordem pode ser coercitiva ou espontânea. A ordem coercitiva, ou exógena, é a que vem de fora; é a lei com seus corolários, a placa PARE, o guarda com apito ou o radar. A ordem espontânea, ou endógena, é aquela que vem de cada um procurar evitar problemas para si, evitando assim também problemas para os outros. No caso do trânsito, com cada motorista ativamente preocupado em evitar um acidente é de se presumir que haja menos acidentes que em uma situação em que os motoristas estejam preocupados apenas com a obediência à sinalização.

Cabe lembrar que estas experiências têm sido feitas na Europa do norte, região em que a obediência à lei – inclusive no trânsito – é sem par. Trata-se de lugares em que as pessoas não atravessam a rua com o sinal fechado para pedestres nem quando são duas horas da manhã e é possível enxergar mais de um quilômetro em cada direção e não há nenhum carro na rua. Numa tal cultura, a confiança na sinalização é certamente muito maior que em nossas plagas, onde encontramos as contraditórias placas “respeite a sinalização”. Ora, quem respeita não precisa da placa; quem não respeita não vai passar a respeitar por causa da placa...

Em nosso país a sinalização – ou mesmo a legislação de trânsito como um todo – não é respeitada como na Europa do norte. Muito pelo contrário, aliás, suas indicações e regulamentações normalmente só entram em cena ex post facto. É comum em locais de colisão e abalroamento que ambos os motoristas se considerem completamente certos, sem que passe pela cabeça deles que há regras de preferência, sem que nenhum deles tenha reparado na sinalização, etc.

Temos, assim, uma situação em alguns aspectos parecida com a das cidades européias que resolveram abolir a sinalização. Temos placas, mas é como se não as tivéssemos. A legislação só entra em cena depois do acidente, para ver quem estava certo ou errado. Para os motoristas, é quase como se jogássemos uma moedinha para cima para decidir: se eles estavam com a razão segundo a lei, a polícia é justa; se é o outro que estava, “a polícia está do lado dele”.

Pode-se presumir que os motoristas alemães ou holandeses saibam perfeitamente definir as regras de preferência, dada a cultura local de respeito à norma e o hábito de transitar por lugares onde ainda há sinalização. Nas cidades em que a sinalização foi abolida, o substrato cultural sobre o qual se estabelece a ordem espontânea é forçosamente muito mais assemelhado à ordem coercitiva determinada pela legislação de trânsito que o que encontramos na nossa sociedade.

Um paralelo poderia ser traçado, talvez, entre o trânsito brasileiro e o de outras sociedades em que tampouco é introjetado ao ponto da Europa do norte o respeito à ordem exógena. Foi publicado há algum tempo um interessante depoimento de um americano radicado na Coréia sobre sua experiência no trânsito no Vietnã. Segundo ele, simplesmente não há sinalização nas ruas e o tráfego flui admiravelmente. Para um americano, que absorveu “as regras e sinais de trânsito junto com o leite da mamãe” (sic), foi uma experiência apavorante, mas de certo modo libertadora, perceber que é possível a existência de uma ordem autônoma. O autor, em seu entusiasmo, chega a citar um sábio chinês, Chuang Tzu (369 a.C.–286 a.C.), que teria dito que “uma boa ordem é o resultado espontâneo de quando se deixam as coisas quietas”.

Creio poder dizer que já vi coisa parecida no Brasil; uma amiga americana queria chegar no Brasil e alugar um carro ainda no aeroporto, para viajar para outra cidade. Convenci-a a não o fazer sem ter visto o trânsito em primeira mão. No seu segundo dia, quando entramos – comigo no volante – em uma rua de mão dupla onde só cabia um carro de cada vez e encetamos o ritual de cortejo típico do trânsito brasileiro, em que cada um procura perceber as intenções do outro motorista para saber se é ou não possível seguir, ela confessou-se incapaz de dirigir no Brasil.

Temos assim, no trânsito como na legislação penal, uma codificação ou tipificação do comportamento que não corresponde às regras socialmente aceitas (mostra-me um brasileiro que nunca descumpriu uma leizinha que seja... e mostrar-te-ei um mentiroso!). A ordem espontânea do trânsito, quando interrompida por um acidente (ou um radar...), cede seu lugar à legislação de trânsito. Determinações de via preferencial que têm pouquíssimo valor na vida prática (quem seria louco de entrar sem olhar em um cruzamento à noite só por ter preferência segundo a legislação de trânsito?), placas que são ignoradas ou ganham um na prática segundo sentido, “mais verdadeiro” (60 km/h = “dá para impressionar as menininhas cantando pneu”; 80 km/h = “pisa fundo!”; PARE = “é melhor diminuir a velocidade e olhar de relance para os lados antes de pisar fundo”...), tudo isso subitamente ganha outro sentido e outra dimensão quando o aparato coercitivo do Estado entra em ação, seja por causa de um acidente ou da simples instalação de um radar. O motorista brasileiro sai de um mundo, de um conjunto de regras, de uma ordem endógena autônoma, e penetra em um universo que lhe é estranho, o da ordem exógena e coercitiva. É mais ou menos o mesmo choque cultural da pessoa normal que se vê como vítima em uma delegacia de polícia: o que ela chamava de roubo passa a ser furto, o assalto que sofreu ganha o nome de roubo, o que era para ela estupro passa a ser atentado violento ao pudor, etc. As regras são outras; elas podem condenar as mesmas coisas e ter os mesmos objetivos, mas são outras.

Para que cheguemos a uma perfeita reprodução do modelo de Monderman, no Brasil, falta apenas a retirada física da sinalização e a construção de mais rotatórias. Creio que na verdade pouco mudaria; a ordem que temos de facto já é do tipo espontâneo.

Perito Ortegão