terça-feira, 30 de junho de 2009

Sobre a rigidez cadavérica...

Para aqueles que já passaram pela experiência de mexer em um cadáver algumas horas depois da morte devem ter notado que ele se apresentava rígido, em um situação tal que é difícil muda-lo de posição (como flexionar uma de suas articulações).

Por mais surpreendente que isso possa parecer, muitas pessoas já mexeram em um cadáver. Calma. Não me refiro exclusivamente a um cadáver humano. Mas quando aquele seu cachorrinho morreu no seu quintal, alguém teve de removê-lo dali, certo? Para evitar fotos de cadáveres humanos, optei por exemplificar a rigidez cadavérica com a foto de dois peixes (veja ao lado). O da esquerda já atingiu a rigidez, ao passo que o da direita ainda não.

Como tive uma formação científica com mais ênfase nas biológicas, sempre me perguntei como esse fenômeno, chamado de rigor cadavérico (ou rigor mortis), se ocorria. Depois de começar a trabalhar com perícia criminal, me flagrei buscando respostas nesse sentido e encontrei algumas explicações. Descrevo aqui aquela que me fez mais sentido sob a ótica fisiológica e celular.

Pois bem, quando passei a procurar uma resposta convincente eu contava apenas com as seguintes informações sobre o processo:

1) o momento de início do rigor cadavérico pode variar com a temperatura ambiente, mas geralmente ocorre entre 2 e 4h após a morte e começa pelos músculos menores e por aqueles mais ativos antes da morte (há quem afirme que o fenômeno ocorre imediatamente após a morte em pessoas que entram em óbito em momentos de estresse físico e emocional extremos, mas são muito raros);

2) seu estado de rigidez máxima se estabelece por volta da 12a hora post mortem, cessando gradativamente até 36h da morte;

3) o rigor mortis pode ser prolongado por baixar temperaturas (há relatos de corpos em rigidez por 16 a 28 dias quando mantidos à 4 graus Celsius).

Já era de se imaginar que a rigidez cadavérica tivesse algo a ver com contração muscular. Afinal, o que mantém o corpo rígido só poderia ser uma forte contração dos músculos esqueléticos. Mas o que acarretaria tão tremenda e generalizada contração após óbito? Para responder a essa pergunta, é necessário ter alguma idéia dos mecanismos celulares envolvidos na atividade muscular.

As células musculares apresentam diversas unidades contrateis finas chamadas sarcômeros, que são formados por filamentos de actina e miosina II. O deslizamento entre esses dois tipos de filamento pode resultar no encurtamento do sarcômero e quando isso ocorre simultaneamente há uma contração muscular. Esse deslizamento ocorre por um mecanismo celular dependente de íons de cálcio e ATP (uma fonte de energia celular). Quando a célula muscular recebe um sinal do sistema nervoso, o concentração de íons de cálcio aumenta no citosol, mudando a conformação de certas proteínas regulatórias que permitem a ligação da miosina II à actina. Consequentemente, um filamento desliza sobre o outro, encurtando o sacômero e contraindo o músculo.

O relaxamento muscular se deve ao desligamento entre os filamentos de miosina II e de actina (em especial das cabeças das miosinas II). Os íons de cálcio são removidos do citosol, algumas proteínas voltam a conformação original e, por fim, actina e miosina II desligam-se entre si. Esse desligamento, entretanto, é ATP-dependente, ou seja, sem energia actina e miosina II permanecem ligados e o músculo permanece contraído.

Pois bem, quando da morte a concentração de cálcio no citosol aumenta, pois as membranas das estruturas que o concentravam (após a remoção do citosol) se tornam permeáveis. Esse aumento muda a conformação daquelas proteínas regulatórias e, assim, actina e miosina II se ligam. Como já dito, a ligação só é desfeita na presença de ATP. Como o ATP não está mais disponível após o óbito, actina e miosina II permanecem ligadas, resultando na condição de rigidez dos músculos. Eis aí o mecanismo que leva ao rigor mortis!

Certo, mas por que a rigidez é desfeita? Essa é mais fácil de responder. Os tecidos, de maneira geral, entram em degradação natural após algum tempo de inatividade do metabolismo. Um dos mecanismos que leva a degradação é o rompimento de vesículas enzimáticas como os lisossomos. Essas enzimas liberadas no meio celular começam a degradar os tecidos, lisando proteínas e outros componentes estruturas das células. Uma vez degradados os componentes dos sarcômeros, os músculos perdem a rigidez anteriormente adquirida. Fica fácil, assim, entender o porquê de as baixas temperaturas prolongaram o rigor mortis: nessa situação, a velocidade das reações é reduzida e, portanto, demandam mais tempo para a degradação dos tecidos.

E assim desmistificamos o rigor mortis!

sábado, 27 de junho de 2009

Caso Jackson: cadê o médico?



Hummm... Isso não está me cheirando bem. Os legistas hoje descartaram a hipótese de morte violenta, pois os exames necroscópicos não revelaram lesões externas no corpo do cantor que sugerissem violência. Como eu já havia citado no post anterior, jornalistas afirmaram antes da necropsia que o inventor do moon walking havia morrido por parada cardíaca. Ora, ninguém morre só de parada cardíaca. A falência do coração é, via de regra, consequência de alguma outra condição. As vezes fico com a impressão de que alguns médicos, quando não conseguem encontrar a causa do ataque cardíaco, o atribuem como causa da morte. É bem verdade que uma falência cardíaca leva a uma falência respiratória e, por fim, à morte. Mas atribuir à morte uma parada cárdio-respiratória sem ter idéia do que a causou não me convence. Parece aquele plantonista do pronto socorro que atende a todos e usa o diagnóstico padrão: "É uma virose".

E então? O que causou a parada cardíaca de Michael Jackson? A investigação da polícia californiana parece acreditar que o médico particular do cantor, Dr. Conrad C. Murray, pode fornecer evidências sobre o caso. Isso porque Murray foi o último a ver Michael vivo e o primeiro a tentar reanimá-lo, sem sucesso. Segundo consta, o popstar recebia injeções diárias de meperidina, aplicadas pelo Dr. Murray. Ele teria recebido um dose do medicamento por volta das 11h30, uma hora e dezesseis minutos antes de chegar ao hospital (provavelmente já sem vida).

A meperidina, cujo nome comercial é Demerol, é um narcótico similar à morfina. Seu emprego é recomendado no tratamento da dor classificado de moderada à severa. Tem por contra-indicação o uso por pessoas com histórico de abuso de drogas ou de medicamentos. Há uma restrição estrita ao seu uso em conjunto com inibidores de monoamina oxidase (uma enzima envolvida na quebra de norepinefrina e da serotonina). Os MAOI, sigla inglesa para inibidores de monoamina oxidase, são comumente receitados para pacientes em depressão, pois impedem a degradação de serotonina que acaba por se acumular entre as células nervosas.

É sabido que Michael Jackson era hipocondríaco, tinha obsessão por remédios. Também é notório que o músico se preparava para uma turnê de 50 shows em Londres e que estava estressado com os preparativos. E, cá entre nós, nada como um antidepressivo (como um MAOI) para acalmar um hipocondríaco. Será que não existe a possibilidade do cantor ter tomado meperidina enquanto ainda estava sob efeito de um antidepressivo, como, digamos, um MAOI? A interação medicamentosa destas duas drogas pode levar a risco de morte, culminando com uma parada cardio-respiratória. Curiosamente, o Demerol é citado na musica Morphine do astro, do álbum Blood on the dance floor: HIStory in the Mix (1997).

O médico pessoal de Jackson (esse da foto supra) está desaparecido desde a chegada de Michael ao hospital. Seu carro, inclusive, permaneceu no local e "foi rebocado pela polícia de Los Angeles por conter drogas ou outras evidências que podem ajudar o médico legista a determinar a causa da morte". Será que o médico percebeu um possível erro e se fez desaparecer?

Será? Aguardemos os exames toxicológicos para falarmos mais sobre o caso. Cenas dos próximos posts.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Who's bad now? A morte de Michael Jackson.

Hoje morreu Michael Jackson. Boa parte da mídia noticiou que o cantor morreu por uma parada cardíaca. Será mesmo? Penso que aqui cabe uma frase de um personagem do filme Tropa de Elite, a ser dita aos jornalistas ("Você é legista por algum acaso?"). Digo isso porque não foi feita uma necropsia no corpo antes da afirmação da causa mortis. Segundo consta, "o cantor de 50 anos não estava respirando quando os paramédicos chegaram à sua casa e deu entrada no hospital em estado de coma". Até o presente momento, não há como saber o que causou o colapso dos sinais vitais. É necessário investigar para, ao menos, se ter idéia do que ocorreu.

Parece que a polícia californiana concorda comigo. Fred Corral, responsável pelas perícias médicas em Los Angeles, disse à CNN que a necropsia do corpo de Jackson provavelmente será realizada amanhã, sexta-feira. "As coisas ainda estão acontecendo. Estamos nos comunicando com o hospital para transportar Jackson para nossas instalações, onde ele será examinado para determinarmos a causa da morte", afirmou Corral.

O departamento de homicídios da polícia de Los Angeles abriu uma investigação para apurar as circunstâncias da morte do astro pop. Vamos aguardar mais informações para explorar a ciência por trás do caso.

Testando a geringonça

Muito bem. Depois de contribuir para os blogs de amigos, me convenceram a criar meu próprio. Claro que esbarro em alguns problemas. Não é porque já contribui com blogs que sei como gerenciar um. Na verdade, acabei de descobrir como criá-lo. Então pensei: sobre o que escrever? Pesquisei brevemente sobre os assuntos que me apetecem e descobri uma certa carência de blogs brasileiros sobre ciências forenses, criminalística e perícia criminal. Pois bem, eis o assunto para este blog! Vamos ver quem se propõe a ler (e comentar) o que neste espaço for postado.

Sejam benvindos.