quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O raio-X das obras de arte

Foi-se o tempo em que para determinar a veracidade e autenticidade de uma obra de arte se recorria apenas a um doutor em artes. Com a tecnologia hoje disponível, falsários produzem réplicas tão fieis aos originais que até mesmo especialistas ficariam em dúvida. Por este motivo, novas tecnologias aplicadas às artes têm sido desenvolvidas com o intuito de certificar a autenticidade de uma obra.

Uma dessas tecnologias é baseada na fluorescência de raios X. Com ela, é possível caracterizar os pigmentos que compõe a paleta de cada pintor. As informações são, então, integradas em bancos de dados para o acesso de especialistas, restauradores, conservadores, pesquisadores e, claro, de peritos em artes.

Quando esmiuçado desta maneira, tanta tecnologia parece estar distante do público brasileiro. Mas não está. A revista Pesquisa FAPESP deste mês trás uma matéria sobre o trabalho de Cristina Calza, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A pesquisadora desenvolveu um aparelho portátil de EDXRF (Energy Dispersive X-Ray Fluorescence) e, com ele, vem analisando obras de arte de pintores brasileiros do século XIX (como Rodolfo Amoedo, Eliseu Visconti, Félix Émile Taunay e Pedro Américo).

Segundo Calza, "A técnica não é invasiva e não causa dano às obras de arte". Essa característica confere à técnica adequabilidade às análises forenses de quadros e artefatos artísticos. O aparelho desenvolvido pela pesquisadora lança um feixe de raios-X em um circulo de 5mm de diâmetro, produzindo um efeito fotoelétrico (os elétrons estimulados, ao restabelecerem o equilíbrio, emitem raio X que é detectado pelo aparelho). A energia emitida caracteriza cada elemento químico que compõe o pigmento empregado no trecho do quadro analisado.

Sabendo quem pigmentos estão presentes na obra, há meios de estimar em que época a pintura foi realizada. A exemplo, o pigmento denominado "branco de zinco" começou a ser produzido no século XVIII e é empregado até hoje. Já o "branco de titânio" surgiu no século XX. Assim, a presença deste último pigmento em obras anteriores ao século XX levanta duas hipóteses de trabalho: 1) trata-se de uma falsificação; 2) o quadro foi restaurado. Para diferenciá-las, basta avaliar a extensão da obra em que consta tal pigmento. "Se virmos grandes extensões de um pigmento mais recente do que a data suposta de produção da obra, saberemos que é uma falsificação", afirma Cristiane Calza. Foi assim que a pesquisadora analisou as telas "O último tamoio" (1883) e "Busto da senhora Amoedo" (1892), nas quais encontrou "branco de titânio" em pequenas extensões. Apenas em 1921 passou a ser comercializada uma tinta à base desse pigmento, indicando que os referidos quadros foram retocados no século XX.

O último tamoio, de Rodolfo Amoedo (1883)

No Brasil, os registros acerca de falsificações de obras de arte não são muito numerosos. Conseqüentemente, a aplicação da técnica na análise forense de artefatos artísticos brasileiros ainda é incipiente. Entretanto, o método pode ser utilizado em outros exames forenses, como análises documentoscópica, de tintas veiculares e até mesmo grafotécnica (estabelecendo se um lançamento gráfico foi realizado com uma determinada caneta).

Fica aqui as congratulações à Dra. Cristina Calza pelo desenvolvimento aperfeiçoamento da utilização da EDXRF no Brasil.


Artigos relacionados:

Calza, C. et al. Characterization of Brazilian artists palette from the XIX century using EDXRF portable system. Applied Radiation and Isotopes. no prelo.

Calza, C. et al. Analysis of the painting Gioventú (Eliseu Visconti) using EDXRF and computed radiography. Applied Radiation and Isotopes. no prelo.


4 comentários:

  1. Sou muito preconceituoso com essas técnicas de estado sólido. O pessoal da cromatografia fala que é tudo preguiça...
    Não quero desmerecer o trabalho de ninguém mas acho que pigmento inorgânico dá muito pouca informação comparado com a matriz orgânica da pintura, os binders etc...
    Uma tecnica muito legal é a pirólise/GC-MS:
    Aqui em portugues- http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-40422008000600045&script=sci_arttext&tlng=pt
    Sem falar do C14 claro.

    Outro em Ingles-
    http://www3.interscience.wiley.com/journal/61005314/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0

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  2. Prezado Fabiano,

    Não tenho familiaridade com a técnica baseada na pirólise. Mas duas das vantagens da EDXRF apontadas pela autora é o fato do exame não ser destrutivo e, por se tratar de um aparelho portátil, os exames poderem ser realizados no próprio museu em que a obra está depositada. Não sei se é este o caso de um pirolizador, mas um GC-MS não me parece nada portátil.

    Se de fato a pirólise/GC-MS apresenta as vantagens apontados pelo primeiro artigo que o senhor citou (Silvério et al 2008), eu diria que as técnicas se complementam: exames preliminares seria realizados no local (por EDXRF) e as amostras, uma vez triadas, seria encaminhadas ao laboratório para análises complementares (por pirólise/GC-MS, pq não?).

    Vou procurar saber mais sobre a técnica (quem sabe não encontro informações sobre ela em "THE COLOR WRITER"). Aliás, o artigo de Silvério et al (2008) traz um capítulo sobre as aplicações forenses da técnica que me pareceu bastante interessante. Certamente será explorado no futuro por este blog. Agradeço a dica! E seja benvindo ao mundo pericial.

    Saudações periciais,

    PS- não consegui acessar a página do segundo artigo mencionado.

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  3. CRDias,

    Agora deve funcionar:
    http://www3.interscience.wiley.com/journal/61005314/abstract

    Não li mas deve exemplificar bem o uso da tecnica, conheço só o aproach pra identificar óleos, ele faz em proteínas.

    Esse parece um review interessante:
    http://www.springerlink.com/content/jtytbj7a04dbakrt/

    Na verdade já estava programado pra fazer um post sobre "cromatografista na galeria de arte", mas me faltou competência no assunto. Acho que com seu estímulo vou fazer um resumo desses trabalhos.

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  4. Excelente, Fabiano! Agora consegui a referência para os artigos. Vou buscar a íntegra destes nos meios acadêmicos. Me parecem bem interessantes.

    Quando publicar o post sobre "cromatografista na galeria de arte" não deixe de postar o link por aqui. Será muito benvinda a contribuição ao assunto.

    Saudações,

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