Vestígios, indícios e evidências são palavras que aparecem no jargão criminalístico que, apesar de possuirem suas particularidades, nem sempre são compreendidas. Reproduzo neste post um trecho de um artigo publicado na Revista dos Tribunais que esclarece o assunto:
"Esses termos são freqüentemente utilizados como sinônimos. Porém, num contexto criminalístico, existe uma diferenciação importante em suas semânticas formais. Visando evitar acroases, vale introduzir neste trabalho definições destes termos. Apesar de relacionados, tais conceitos podem gerar equívocos interpretativos caso deixem de ser bem delineados. Enquanto o vestígio abrange, a evidência restringe e o indício circunstancia. Como se nota a seguir.
O Código de Processo Penal brasileiro traz que, na presença de vestígios, o exame de corpo de delito será indispensável sob pena de nulidade. O objetivo primo do exame referido é a comprovação dos elementos objetivos do tipo, essencialmente no que diz respeito ao resultado da conduta delituosa, através de vestígios. Entretanto, não há dispositivo legal que defina precisamente o que vem a ser um vestígio, mesmo porque a lei não é o espaço para fins de definição. Mas é provável que esta ausência de definição jurídica também decorra do fato de a palavra ser empregada num sentido próximo do comum, não necessitando de um critério normativo específico. Etimologicamente, o termo deriva da palavra latina vestigium que, por sua vez, possui significado bastante abrangente: planta ou sola dos pés (das pessoas e dos animais), pegada, pista, rastro; traço, sinal, marca. Em termos periciais, o conceito de vestígio mantém a característica abrangente do vocábulo que lhe deu origem, podendo ser definido como todo e qualquer sinal, marca, objeto, situação fática ou ente concreto sensível, potencialmente relacionado a uma pessoa ou a um evento de relevância penal, e/ou presente em um local de crime, seja este último mediato ou imediato, interno ou externo, direta ou indiretamente relacionado ao fato delituoso.
Ao chamar uma coisa qualquer de vestígio, se está admitindo que sua situação foi originada por um agente ou um evento que a promoveu. Um vestígio, portanto, seria o produto de um agente ou evento provocador. Nesta dinâmica, pressupõe-se que algo provocou uma modificação no estado das coisas de forma a alterar a localização e o posicionamento de um corpo no espaço em relação a uma ou várias referências fora e ao redor do dele. O correto e adequado levantamento de local de crime, por exemplo, revela uma série de vestígios. Estes são submetidos a processos objetivos de triagem e apuração analítica dos quais resultam diversas informações. Uma informação de relevância primordial é aquela que atesta ou não o vínculo de tal vestígio com o delito em questão. Uma vez confirmado objetivamente este liame, o vestígio adquire a denominação de evidência. Nas palavras de Mallmith (2007), "as evidências, por decorrerem dos vestígios, são elementos exclusivamente materiais e, por conseguinte, de natureza puramente objetiva". Portanto, evidência é o vestígio que, após avaliações de cunho objetivo, mostrou vinculação direta e inequívoca com o evento delituoso. Processualmente, a evidência também pode ser denominada prova material.
Assim como ocorre com o vestígio, a origem da palavra indício também vem do latim indicium, cuja semântica é "sinal, indicação, revelação, denúncia, descoberta, acusação, indício, prova". O próprio radical latino index, por si só, tem sentido de "aquilo que indica" (Mazzilli, 2003). Porém, ao contrário do vestígio e da evidência, o indício apresenta uma conceituação legal prevista no Código de Processo Penal brasileiro. Neste sentido, indício seria uma circunstância conhecida, provada e necessariamente relacionada com o fato investigado, e que, como tal, permite a inferência de outra(s) circunstância(s). O termo "circunstância" é aqui utilizado como expressão próxima, semanticamente, de "conjuntura", como a combinação ou concorrência de elementos em situações, acontecimentos ou condições de tempo, lugar ou modo.
Considerando a definição legal, é de se reparar que um indício, sendo uma circunstância, autoriza a conclusão indutiva de outros indícios, também circunstanciais. Nos termos da lei, a circunstância conhecida e provada seria uma premissa menor, ao passo que a razão e a experiência seriam uma premissa maior; da comparação entre as premissas menor e maior emerge a conclusão indutiva de que trata o texto legal (Mirabete, 2003). Via de regra, essa premissa menor vem apresentada de forma objetiva por se tratar de "circunstância conhecida e provada". Cumpre consignar que o indício se reveste de uma situação circunstancial, cuja interpretação pode ser objetiva ou subjetiva, ainda que relativamente. Nesses termos, a premissa menor referida acima coincide com a evidência, por se afastar do caráter subjetivo e, conseqüentemente, por se revestir de objetividade.
A subjetividade potencial do indício é a ele inerente dado o momento pós-pericial de sua gênese. O indício surge num instante processual, quando às evidências foram agregados fatos apurados pela autoridade policial (quando do inquérito) ou ministerial (quando da denúncia). Então, toda informação que tem relação com o relevante penal é um indício, seja ela objetiva ou subjetiva. Entretanto, o indício se aparta das conclusões periciais quando puramente subjetivo. Logo, o indício originário de uma evidência é sempre decorrente de um procedimento pericial e, portanto, objetivo. Na processualística penal, há quem intitule o indício resultante de subjetividade de prova indiciária (Mazzilli, 2003).
Assim sendo, podemos deduzir que a evidência é o vestígio que, mediante pormenorizados exames, análises e interpretações pertinentes, se enquadra inequívoca e objetivamente na circunscrição do fato delituoso. Ao mesmo tempo, infere-se que toda evidência é um indício, porém o contrário nem sempre é verdadeiro, pois o segundo incorpora, além do primeiro, elementos outros de ordem subjetiva."
Literatura Citada
MALLMITH, Décio de Moura. Corpo de delito, vestígio, evidência e indício. 2007.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O papel dos indícios nas investigações do Ministério Público. 2003.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
"Esses termos são freqüentemente utilizados como sinônimos. Porém, num contexto criminalístico, existe uma diferenciação importante em suas semânticas formais. Visando evitar acroases, vale introduzir neste trabalho definições destes termos. Apesar de relacionados, tais conceitos podem gerar equívocos interpretativos caso deixem de ser bem delineados. Enquanto o vestígio abrange, a evidência restringe e o indício circunstancia. Como se nota a seguir.
O Código de Processo Penal brasileiro traz que, na presença de vestígios, o exame de corpo de delito será indispensável sob pena de nulidade. O objetivo primo do exame referido é a comprovação dos elementos objetivos do tipo, essencialmente no que diz respeito ao resultado da conduta delituosa, através de vestígios. Entretanto, não há dispositivo legal que defina precisamente o que vem a ser um vestígio, mesmo porque a lei não é o espaço para fins de definição. Mas é provável que esta ausência de definição jurídica também decorra do fato de a palavra ser empregada num sentido próximo do comum, não necessitando de um critério normativo específico. Etimologicamente, o termo deriva da palavra latina vestigium que, por sua vez, possui significado bastante abrangente: planta ou sola dos pés (das pessoas e dos animais), pegada, pista, rastro; traço, sinal, marca. Em termos periciais, o conceito de vestígio mantém a característica abrangente do vocábulo que lhe deu origem, podendo ser definido como todo e qualquer sinal, marca, objeto, situação fática ou ente concreto sensível, potencialmente relacionado a uma pessoa ou a um evento de relevância penal, e/ou presente em um local de crime, seja este último mediato ou imediato, interno ou externo, direta ou indiretamente relacionado ao fato delituoso.
Ao chamar uma coisa qualquer de vestígio, se está admitindo que sua situação foi originada por um agente ou um evento que a promoveu. Um vestígio, portanto, seria o produto de um agente ou evento provocador. Nesta dinâmica, pressupõe-se que algo provocou uma modificação no estado das coisas de forma a alterar a localização e o posicionamento de um corpo no espaço em relação a uma ou várias referências fora e ao redor do dele. O correto e adequado levantamento de local de crime, por exemplo, revela uma série de vestígios. Estes são submetidos a processos objetivos de triagem e apuração analítica dos quais resultam diversas informações. Uma informação de relevância primordial é aquela que atesta ou não o vínculo de tal vestígio com o delito em questão. Uma vez confirmado objetivamente este liame, o vestígio adquire a denominação de evidência. Nas palavras de Mallmith (2007), "as evidências, por decorrerem dos vestígios, são elementos exclusivamente materiais e, por conseguinte, de natureza puramente objetiva". Portanto, evidência é o vestígio que, após avaliações de cunho objetivo, mostrou vinculação direta e inequívoca com o evento delituoso. Processualmente, a evidência também pode ser denominada prova material.
Assim como ocorre com o vestígio, a origem da palavra indício também vem do latim indicium, cuja semântica é "sinal, indicação, revelação, denúncia, descoberta, acusação, indício, prova". O próprio radical latino index, por si só, tem sentido de "aquilo que indica" (Mazzilli, 2003). Porém, ao contrário do vestígio e da evidência, o indício apresenta uma conceituação legal prevista no Código de Processo Penal brasileiro. Neste sentido, indício seria uma circunstância conhecida, provada e necessariamente relacionada com o fato investigado, e que, como tal, permite a inferência de outra(s) circunstância(s). O termo "circunstância" é aqui utilizado como expressão próxima, semanticamente, de "conjuntura", como a combinação ou concorrência de elementos em situações, acontecimentos ou condições de tempo, lugar ou modo.
Considerando a definição legal, é de se reparar que um indício, sendo uma circunstância, autoriza a conclusão indutiva de outros indícios, também circunstanciais. Nos termos da lei, a circunstância conhecida e provada seria uma premissa menor, ao passo que a razão e a experiência seriam uma premissa maior; da comparação entre as premissas menor e maior emerge a conclusão indutiva de que trata o texto legal (Mirabete, 2003). Via de regra, essa premissa menor vem apresentada de forma objetiva por se tratar de "circunstância conhecida e provada". Cumpre consignar que o indício se reveste de uma situação circunstancial, cuja interpretação pode ser objetiva ou subjetiva, ainda que relativamente. Nesses termos, a premissa menor referida acima coincide com a evidência, por se afastar do caráter subjetivo e, conseqüentemente, por se revestir de objetividade.
A subjetividade potencial do indício é a ele inerente dado o momento pós-pericial de sua gênese. O indício surge num instante processual, quando às evidências foram agregados fatos apurados pela autoridade policial (quando do inquérito) ou ministerial (quando da denúncia). Então, toda informação que tem relação com o relevante penal é um indício, seja ela objetiva ou subjetiva. Entretanto, o indício se aparta das conclusões periciais quando puramente subjetivo. Logo, o indício originário de uma evidência é sempre decorrente de um procedimento pericial e, portanto, objetivo. Na processualística penal, há quem intitule o indício resultante de subjetividade de prova indiciária (Mazzilli, 2003).
Assim sendo, podemos deduzir que a evidência é o vestígio que, mediante pormenorizados exames, análises e interpretações pertinentes, se enquadra inequívoca e objetivamente na circunscrição do fato delituoso. Ao mesmo tempo, infere-se que toda evidência é um indício, porém o contrário nem sempre é verdadeiro, pois o segundo incorpora, além do primeiro, elementos outros de ordem subjetiva."
Literatura Citada
MALLMITH, Décio de Moura. Corpo de delito, vestígio, evidência e indício. 2007.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O papel dos indícios nas investigações do Ministério Público. 2003.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
Valeu pela definição! Usei para solucionar um crime na aula de física, tinha dúvidas sobre a definição de cada um dos termos!
ResponderExcluirOh loco... Crime na aula de física? Qual era o crime?
ResponderExcluirSaudações periciais,
Muito boa sua postagem, usei na aula de preservação de evidências em locais de crime e sinistro-TECSOP-CATóLICA-BSB.
ResponderExcluirObrigado, Sidney. É de fato importante esclarecer com precisão cada um dos termos, pois só assim delimitamos nosso estudo. Ao falar em preservação de locais de crime, é inevitável que se toque no assunto "Cadeia de Custódia" e esse é o tema central do artigo cujo link está no post (no final do primeiro parágrafo).
ResponderExcluirSaudações periciais,