quinta-feira, 8 de julho de 2010

Microbiologia e identificação humana

Já há algum tempo, estive conversando com colegas de outras nações sobre quais seriam as perspectivas de inovações na área pericial. Um deles afirmou que a microbiologia forense era uma área incipiente e que seria o próximo passo a ser dado. Apesar de já ter lido algo a respeito, não consegui visualizar a praticabilidade do estudo dos microorganismos no dia-a-dia, a não ser, claro, nos casos de bioterrorismo.

Para minha surpresa, alguns pesquisadores pensaram no uso de bactérias na identificação humana. A idéia é usar a grande diversidade bacteriana associada à pele para este propósito. Supostamente, a diversidade desses microorganismo na pele é não somente grande, mas também única, o que equivale a dizer que possui variabilidade individual e, consequentemente, o potencial para identificação. Segundo os pesquisadores, "sabendo que as comunidades de bactérias associadas à pele são personalizadas, nós hipotetizamos que se poderia utilizar essas bactérias deixadas em um objeto na identificação forense, comparando as bactérias do objeto com aquelas associadas à pele do indivíduo que o tocou".

O artigo publicado na PNAS foi intitulado Forensic identification using skin bacterial communities (disponível neste link) e descreve alguns estudos demonstrando a validade do método. De acordo com os autores, seria possível coletar tais bactérias até duas semanas após o contato, desde que o objeto tenha se mantido à temperatura ambiente e intocado por outras pessoas.


A idéia é boa, a ciência é sólida. Mas me preocupam alguns aspectos, como a praticabilidade e a classificabilidade, critérios estes recomendados para todo processo de identificação judiciária. Outra questão que me parece relevante é o alto potencial de contaminação da amostra. Por se tratar de microorganismos, não deve ser difícil ocorrer uma contaminação cruzada entre amostras ou entre o coletor (policial ou perito) e o coletado (vestígio). Isso nos remete à velha preocupação sobre os procedimentos de custódia da prova, desde sua coleta até o fim do processo.

Talvez o colega americano não estivesse errado ao afirmar que o estudo dos microorganismo aplicados à questões forense é uma área incipiente.


Literatura citada:

Fierera, N.; Lauber, C.L.; Zhou, N.; McDonald, D.; Costello, E.K. & Knight, R. 2010. Forensic identification using skin bacterial communities. PNAS 107 (14): 6477-6481.

2 comentários:

  1. O estudo é muito interessante, porém, ao meu ver a aplicação deste na esfera judicial, requer mais estudos, pois eu tenho algumas dúvidas:

    A composição da comunidade bacteriana não seria alterada caso o indivíduo entre em contato com outros objetos e pessoas?

    Além disso, a vinculação de um indivíduo a um determinado objeto é complicada, visto que diversas podem estar em contato com tal objeto. Talvez, tal análise pudesse ser aplicada em casos particulares.

    Abraços

    Eduardo Leal Rodrigues
    e-mail: rodrigues.dna@gmail.com

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  2. Pois é, Eduardo. Como você, tendo a visualizar esses estudos exploratórios, que prometem aplicações práticas imediatas, com certa ressalva. Evidentemente, mais estudos precisarão ser realizados para colocar a técnica em prática, mas a sinalização da possibilidade de ligar uma pessoa a um objeto por meios alternativos à impressão digital e ao DNA são surpreendentes.

    As possíveis limitações estão associadas justamente ao que questionaste: tal diversidade bacteriana associada a uma pessoa é constante ou muda ao longo do tempo? Mas, como todo técnica, aquele que a aplica deve conhecer suas limitações para, assim, interpretar corretamente seus resultados.

    Entretanto, se provada a validade do método, assumiríamos mais uma vez que Edmond Locard estava certo ao dizer que "todo contato deixa uma marca"!

    Saudações periciais,

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