terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Deixaram o crime, investiram na contravenção


Nos últimos meses tenho me pegado questionado a eficácia de certas políticas de segurança pública. A lógica é (ou deveria ser) simples: se uma estratégia não está funcionando, está na hora de mudar de estratégia. O problema começa quando as estratégias conhecidamente ineficazes deixam de ser suspensas sem uma justificativa oficial plausível.

Nessa temática, uma das perguntas que me atormentam diz respeito aos investimentos no combate ao crime e à contravenção: quando as polícias paulistas deixaram de investir no combate à criminalidade e passaram a investir no combate às contravenções? Sem uma casuística ou um caso concreto fica difícil argumentar ou mesmo discutir o assunto. Então vamos aos fatos: em uma semana qualquer de 2011 fui acionado para vinte e uma ocorrências. Qualitativamente, as ocorrências foram das seguintes naturezas: um acidente de trabalho, um furto qualificado, um crime ambiental, dois exames em veículos, um homicídio e quinze ocorrências relacionadas a jogos de azar. Analisando essas quantidades e considerando-as como dados médios, percebemos que 28,5% dos exames periciais realizados foram crime relacionados, ao passo que 71,5% foram em contravenções. Há quem diga que a exploração de jogos de azar pode ser enquadrada com crime contra a economia popular, mas não é essa a tipificação recorrente nas requisições de exame pericial.

Interessante notar que os peritos criminais em regra trabalham em um órgão chamado Instituto de Criminalística. Se essa casuística continuar, talvez tenhamos que mudar o nome do órgão para Instituto de Contravenções, já que tem se atendido às contravenções em dentrimento das demandas periciais criminais. Outras constatações não menos interessantes dizem respeito às competências para investigar os jogos de azar. Smj, a investigação sobre os jogos de azar são de atribuição federal. Logo, quem deveria estar a frente dessas investidas seria a Polícia Federal e não o Estado. Mas até aí crimes relacionados a drogas, narcóticos e entorpecentes também são de atribuição federal e continuam sendo investigados pelos Estados. Está tudo errado.

Voltando a vaca fria. Dentre os exames periciais em estabelecimentos que mantém máquinas de jogos eletrônicos (também chamadas de máquinas de bingo ou máquinas de caça-níquel), chamam atenção as reincidências de vários estabelecimentos comerciais (especialmente bares, padarias e lanchonetes). É evidente que cada comércio possui um alvará de funcionamento cujo ordenamento é regido pelo município, bem como o poder de polícia administrativa. Dentre as normas para manter a licença de funcionamento, está o regramento que estabelece o compromisso do comércio em não desempenhar atividades ilícitas no estabelecimento. Pergunto: a recorrência em explorar jogos de azar deveria ensejar a cassação do alvará de funcionamento? Penso que sim. Então por que não vemos isso acontecer? Será que alguém está deixando de praticar ato de ofício? Ou alguém tem o praticado contra a disposição expressa em lei? Nesta toada e ao contrário do crime, a contravenção compensa.

2 comentários:

  1. O sistema Processual Penal foi revisado recentemente, fizeram algumas mudanças em tramites processuais, que de nada adianta uma vez que nosso código penal, tendo em vista os dias atuais, ainda continua arcaico. O código civil - este mais antigo que o penal- já foi totalmente reformulado e acompanha os dias atuais.
    Se a contravenção é mais rentável, a pena é ínfima, e o povo continua a gostar dessas maquinas de jogos, outrora já programadas para os fazerem de trouxa, sinto lhe avisar, cada vez mais terá pericia em máquinas caça niqueis.

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    1. Pois é, nobre linamoretti. O ponto do post não é exatamente se há ou não há de se fazer perícia, nem uma reclamação da quantidade de exames. O que incomoda é enxugar gelo: estimo que mais de 80% dos exames periciais em máquinas caça-níquel que realizamos são provenientes de estabelecimentos comerciais reincidentes nessa prática. Ora, alguém está prevaricando. Afinal, uma única incidência já deveria ensejar a cassação do alvará de funcionamento. Ou será que estou errado?

      Saudações,

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