terça-feira, 23 de agosto de 2011

Maleta de local de crime - EPIs

Muito bem. Conforme prometido, vamos começar a discutir aqui no CCC os itens da tal maleta para levantamento de locais de crime.

Os primeiros equipamentos que aqui comentaremos são aqueles relacionados a proteção individual, conhecidos pela sigla EPI (Equipamentos de Proteção Individual). Segundo Wikipedia, EPIs "são quaisquer meios ou dispositivos destinados a ser utilizados por uma
pessoa contra possíveis riscos ameaçadores da sua saúde ou segurança durante o exercício de uma determinada atividade. Um equipamento de proteção individual pode ser constituído por vários meios ou dispositivos associados de forma a proteger o seu utilizadorcontra um ou vários riscos simultâneos. O uso deste tipo de equipamentos só deverá ser contemplado quando não for possível tomar medidas que permitam eliminar os riscos do ambiente em que se desenvolve a atividade" (grifo meu).

Reparem que nesse conceito de EPI o objetivo prime desses equipamentos é

o de "proteger o seu utilizador". Faz todo o sentido: o trabalhador usa desses dispositivos para proteger a si mesmo contra possíveis agentes danosos a sua saúde presentes no meio em que trabalha. Isso Também se aplica às atividades periciais, vez que o local de crime se configura como um ambiente em que não é possível eliminar riscos para atividade do perito criminal durante seus exames.

Entretanto, há outro aspecto desses EPIs que não são contemplados nos conceitos mais gerais desse tipo de equipamento. Quando aplicados aos meios periciais, os EPIs funcionam como uma via de duas mãos: eles evitam a contaminação do perito criminal e, ao mesmo tempo, evitam a contaminação da prova pericial. Avaliados sobre esse prisma, os EPIs periciais devem ter características que os diferem dos EPIs tradicionalmente aplicados à segurança do trabalho.

Na maleta de levantamento de local de crime temos três EPIs importados da segurança do trabalho: luvas de látex, máscaras semi-faciais e óculos de proteção. As primeiras apresentam problemas orgânicos quando utilizadas no meio forense: são muito elásticas, não são estéreis e apresentam um pó branco no interior (geralmente amido). A elasticidade pode ser um problema para o perito menos avisado no momento em que remove as luvas usadas: ao estica-las, a força elástica lança material contaminante para as redondezas, contaminando os arredores (inclusive vestígios que ali estejam presentes); sem contar a falta de esterilização que por si só pode gerar questionamentos.

O pó no interior da luva é um caso a parte. Em tese, utiliza-se um par de luvas para cada vestígio manipulado (lembre-se que o EPI em meio pericial protege o perito e o vestígios, logo há de se trocar de luvas a cada material manuseado). Uma prática comum é a de utilizar várias luvas de látex sobrepostas e, a cada vestígio manipulado, uma par de luvas é removido, utilizando-se o par seguinte. Isso facilita o procedimento, já que o perito não precisa colocar novo par de luvas. Porém, o pó que estava na parte interna da luva removida agora está na parte externa da próxima luva a ser utilizada. Tal pó passa a contaminar as próximas amostras. Sim, eu sei, alguns podem dizer que estou aqui a usar de um purismo desnecessário. Porém, se considerarmos um conceito amplo de contaminação (aquele que diz que contaminante é qualquer coisa que não pertença aquela amostra) temos que o tal pó contamina a prova.

As máscaras que acompanham as maletas são semi-faciais são dotadas de um filtro combinado do tipo A1B1P2, que equivale a dizer que suportam vapores orgânicos, gases ácidos e materiais particulados. Nos casos clássicos de atendimento a local fechado contendo um cadáver em decomposição, tal filtro resolve cerca de 85% dos odores (quando novo) em uma avaliação subjetiva. (Acreditem, 85% de eficácia faz toda a diferença nesses casos. É o que permite que o perito deixe de fazer esses exames em apnéia).

O problema das máscaras semi-faciais tradicionais é que a válvula de exalação não possui filtros. E faz todo o sentido para a segurança do trabalho: o gás expelido da máscara não precisa de tratamento, pois não oferece risco para o trabalhador. No entanto, em meio pericial o exalado pode contaminar o vestígio. Geralmente, as válvulas de exalação estão localizadas na parte inferior da máscara. Ao exalar, nós colocamos para fora ar, dióxido de carbono e gotículas de água e saliva. Tal exalado sai pela válvula de exalação localizada na parte inferior. Ao manipular um vestígios tendemos a posiciona-lo a frente, ligeiramente abaixo da face, exatamente na direção das válvulas de exalação. Logo, há o potencial de contaminação biológica do perito à prova. O ideal seria uma válvula de exalação acoplada a um filtro ou a um tubo que levasse o exalado para outra direção.


Os óculos de proteção são bem interessantes. São rígidos e grandes o bastante para utiliza-los sobre óculos de grau convencionais. Oferecem proteção física, química e biológica no local de crime. Parece besteira, mas uma colega perita teve a infelicidade de estar presente em um local contendo um cadáver em fase gasosa da putrefação. Em dado momento, um pequeno orifício foi aberto no abdômen do corpo e líquido putrefeito espirrou em seus olhos. A colega ganhou um infecção ocular que, após tratada, deixo sequelas.

Sobre os EPIs, era isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário