terça-feira, 25 de maio de 2010

O "efeito CSI"


Séries televisivas que se apoiam na ciência forense para resolver crimes estão afetando a administração da justiça.

Na abertura recente de um novo centro de formação em Ciência Forense na Universidade de Glamorgan, Gales do Sul, Bernard Knight, anteriormente um dos principais patologistas da Grã-Bretanha, disse que, devido às séries televisivas de crime, os jurados esperam hoje provas mais categóricas do que aquelas que a ciência médico-legal é capaz de fornecer. E no que diz respeito ao fosso entre a realidade e a ficção, o dr. Knight sabe do que está a falar: além de uma experiência de 43 anos de presença em cenas de crime, também escreveu dezenas de romances policiais.

O resultado é uma nova expressão que entrou para o léxico da criminologia: o "efeito CSI" depois de séries como "CSI: Crime Sob Investigação - Las Vegas". Em 2008, Monica Robbers, criminologista americana, definiu-o como "o fenómeno em que os jurados acalentam expectativas irrealistas relativamente a provas periciais e técnicas de investigação e têm um interesse acrescido pela disciplina da ciência médico-legal".

Agora, outro investigador norte-americano demonstrou que o "efeito CSI" é de facto real. Evan Durnal, do Departamento de Justiça Criminal da University of Central Missouri, recolheu provas de diversos estudos para demonstrar que a exposição às séries de televisão centradas na ciência médico-legal alterou o sistema jurídico americano de forma complexa e extensa. As suas conclusões acabam de ser publicadas na revista "Forensic Science International".

O sintoma mais óbvio do "efeito CSI" é que os jurados acreditam que têm um conhecimento cabal da ciência que viram apresentada na televisão, o que não é verdade. Durnal cita o caso de um julgamento por homicídio em que os jurados, tendo percebido que um casaco ensanguentado e introduzido como elemento de prova não tinha sido submetido a testes do ADN, chamaram a atenção do juiz para esse facto. Como o acusado tinha admitido ter estado presente no local do crime, esses testes não teriam elucidado quanto à identidade do verdadeiro culpado. O juiz observou que, graças à televisão, os jurados sabiam o que os testes de ADN podiam fazer, mas não quando era conveniente recorrer a eles.


Polícias e ladrões

A tarefa de manter os pés dos jurados no chão cabe aos advogados e aos juízes. Num estudo realizado por Monica Robbers em 2008, 62% dos advogados de defesa e 69% dos juízes concordaram que os jurados tinham expectativas irrealistas relativamente a provas forenses. Cerca de metade dos inquiridos em cada categoria também achou que a selecção dos jurados estava a demorar mais tempo do que o habitual, porque se tinham de certificar que os eventuais escolhidos não iam julgar provas científicas pelos padrões televisivos.

De acordo com Evan Durnal, os delegados do Ministério Público nos Estados Unidos gastam agora muito mais tempo a explicar aos júris por que razão certo tipo de provas não é relevante. Os delegados do Ministério Público introduziram mesmo um novo tipo de testemunha - uma testemunha de "prova negativa" - para explicar que os investigadores não conseguem muitas vezes encontrar provas numa cena de crime.

Os advogados de defesa também já descobriram que as suas vidas se complicaram. Do lado positivo, podem beneficiar com a ideia errónea dos jurados de que a ciência resolve crimes, e, portanto, que a falta de provas científicas para solução dos crimes constitui dúvida razoável e motivo de absolvição. Por outro lado, também se vêem em dificuldades para explicar que um dos dispositivos ficcionais da televisão - uma correspondência inequívoca entre um vestígio de uma substância encontrada no local do crime e um exemplar armazenado numa base de dados, quer sejam impressões digitais, ADN ou qualquer outro tipo de provas - é de facto, na maior parte das vezes, apenas ficção.

Na verdade, os cientistas não lidam com certezas, mas, sim, com probabilidades, e a maneira como calculam estas probabilidades é complexa. Por exemplo, quando um perito em impressões digitais depõe em tribunal, pode dizer que há 90% de hipóteses de obter uma correspondência se o acusado deixou a impressão e uma hipótese de correspondência em muitos milhares de milhões se outra pessoa a deixou. Em geral, o ADN fornece informação de maior qualidade ou melhor "potencial individualizador" do que outros tipos de provas, pelo que os peritos podem sentir mais confiança ao associá-lo a um indivíduo específico. Mas os peritos em ADN continuam a lidar com probabilidades e não com certezas. Em consequência de toda esta verificação da realidade, os julgamentos são cada vez mais longos e mais casos, que antes poderiam ter dado lugar a condenações rápidas, terminam agora em absolvições.


Criminosos aprendem com CSI

Os criminosos também vêem televisão e há provas de que também eles estão a mudar o seu comportamento. A maioria das técnicas utilizadas nas séries televisivas está, afinal, pelo menos apoiada na realidade. A lixívia, que destrói o ADN, é agora mais provável de ser utilizada pelos assassinos para apagar vestígios. O uso de luvas é mais comum, tal como o de selar com fita adesiva - em vez do processo carregado de ADN de lamber envelopes. Os investigadores inspeccionam os locais do crime cada vez com mais minúcia, à procura de novos tipos de provas, o que está a criar problemas de controlo e armazenamento. Os criminosos deixam cada vez menos vestígios, mas a acumulação de provas de casos arquivados está a aumentar.

Contudo, o "efeito CSI" também pode ser positivo. Num caso ocorrido na Virgínia, os jurados perguntaram ao juiz se numa ponta de cigarro tinham sido procuradas possíveis correspondências de ADN com o acusado num julgamento por homicídio. Isso tinha sido feito, mas os advogados de defesa não tinham conseguido introduzir os resultados do teste de ADN como elemento de prova. Quando o fizeram, esses resultados ilibaram o acusado, que foi absolvido.

Evan Durnal não culpa os produtores das séries televisivas pelo fenómeno, uma vez que estes nunca afirmaram que as suas séries eram completamente rigorosas (os cientistas forenses geralmente não empunham armas nem prendem pessoas; e os testes que levam alguns minutos a fazer na televisão podem demorar semanas na vida real). O investigador defende que o "efeito CSI" nasce do desejo de acreditar que indivíduos atraentes, inteligentes e moralmente inatacáveis lutam para limpar o nome de inocentes e pôr os maus atrás das grades. A este respeito, infelizmente, a vida nem sempre imita a arte.


(c)2010 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Em The Economist, traduzido por Aida Macedo para Impresa Publishing, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com/science-technology/displaystory.cfm?story_id=15949089

2 comentários:

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  2. O fato de cobrarem mais da polícia científica com justificativa no " efeito csi " não deveria ser um incentivo para o Estado melhorar as condições de trabalho , visto que estamos ultrapassados?

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