segunda-feira, 27 de julho de 2009

A solução do estuprador?

De vez em quando aparece alguém tentando inovar e acaba reinventando a roda. Em março deste ano, outro medicamento contraceptivo foi testado na china. Desta vez é uma pílula para uso masculino. Os testes clínicos foram pulbicados no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism. Não é a primeira vez que ouço falar em pílula anticoncepcional masculina (esse link sim foi a primeira notícia que li a respeito, e é uma tecnologia nacional). Quase sempre esse assunto vem acompanhado de um comentário dizendo o quanto seria revolucionário o lançamento de um produto com esses no mercado. E, claro, quase sempre se faz um comparativo com a consagrada pílula anticoncepcional feminina.

Mas porque estamos falando em método contraceptivo masculino num blog que se propõe a discutir e divulgar ciência forense? Simples. Da mesma maneira que não é a primeira vez que ouço sobre a tal pílula, também já ouvi a mesma crítica de que essa abordagem contraceptiva seria a solução que os estupradores estavam procurando. O raciocínio é que se a tal pílula impede o homem de engravidar uma mulher, então ele não deve ejacular espermatozóides. Sem esses gametas masculinos no sêmen, não seria possível o levantamento de um perfil genético do agressor.

Certo, esse é o raciocínio. Agora vamos desmontá-lo:

(1) quase todas as pílulas de que tenho ouvido falar possuem principio ativo que, de alguma forma, atua na maturação do espermatozóide (isto é, no amadurecimento destas células - no processo meiótico, no desenvolvimento do flagelo, ...). O fato do espermatozóide não estar maduro não significa que não estar presente no sêmen. Ele pode não ser capaz de nadar até o óvulo, mas é bem provável que ele ainda esteja presente no líquido ejaculado;

(2) mesmo que um remédio milagroso seja capaz de eliminar os espermatozóides de sêmen, ainda sim seria possível recuperar o perfil genético do dono. Isso porque no sêmen, ainda que em quantidade reduzida, há células epiteliais da escamação e outros resíduos celulares que podem conter material genético;

(3) com exceção dos serial rappists (como os serial killers, mas ao invés de matar em série, estupram em série), os estupros ocorrem majoritariamente por um questão de oportunidade: o indivíduo vê a vítima, tem a idéia e parte para o ataque. Em outras palavras, a maioria destes e outros crimes não são premeditados e, portanto, o estuprador não teria tempo hábil para se quer pensar em tomar uma pílula. Aliás, se ele tivesse que escolher, certamente escolheria a boa e velha camisinha: boa, barata e sem qualquer efeito colateral;

(4) o uso de contraceptivos químicos geralmente deixa algum resíduo no corpo. Na pílula feminina, por exemplo, é possível determinar se uma mulher faz ou não uso desses medicamentos mediante dosagem hormonal. Ora, será que no sêmen do indivíduo que fizer uso dessas pílulas não restará resíduo que denuncie seu uso?

Esse é só um ponto de vista. Como vêem, não entendo como um problema de segurança pública o uso da tal pílula masculina. Penso que ela criaria mais conflitos entre os casais (quem tomaria: o homem ou a mulher?) que entre as secretarias de saúde e de segurança pública.

Um comentário:

  1. O item 2 me faz lembrar um caso interessante.
    Na série Spooks, produzida pela BBC, um dos episódios descreve a tentativa do MI5 de incriminar um executivo de estupro.
    Eles coletaram saliva de um copo que ele usou e amplificaram o DNA para simular o semen do indivíduo.
    Em uma conversa com uma "Doctor" em biologia, este me confirmou que isso seria possível uma vez que nem sempre existem espermatozóides visíveis no esperma. Mas nao cometou nada de células de escamação...

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