sexta-feira, 30 de outubro de 2009

"Crime e castigo" na vida real

Consequências da falta de punição sem a pitada literária de Dostoiévski

Não é pouco frequente eu ouvir críticas de policiais à justiça brasileira. Os comentários geralmente culminam com frases do tipo "não adiantea nós prendermos os bandidos, se o juiz manda soltar". Imaginei que o assunto daria um bom post neste espaço, mas fiquei em dúvida acerca do que explorar sobre o assunto. Até que eu li este post do blog Chi vó, non pó, sobre um artigo publicado em um periódico europeu e que tem como um dos autores o brasileiro José Roberto Iglesias, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O artigo, cujo título traduzido é "Crime e punição: o fardo econômico da impunidade", mostra que o crime é uma atividade econômica importante e que pode representar um mecanismo de distribuição de riqueza (como uma espécie de "Síndrome de Robin Hood"). Entretanto, a criminalidade também um fardo econômico-social, já que demanda custos ao sistema legal e de manutenção da ordem. O mesmo texto ainda discute que "algumas vezes pode ser menos custoso para a sociedade permitir um certo nível de criminalidade. Um efeito negativo de uma tal política é que pode levar a um alto aumento das atividades criminosas que pode se tornar difícil de reduzir".

O objetivo do trabalho que mais chama a atenção, entretanto, é a investigação do nível de manutenção legal necessário para manter o crime dentro de limites sócio-economicamente aceitáveis e demonstração de que há uma brusca extrapolação de tais níveis em função da probabilidade de punição. Em outras palavras, quanto menor a taxa de punição, maior a criminalidade e menores as taxas de desenvolvimento econômico.

Outro ponto relevante àqueles que trabalham com segurança pública é que "a resposta à atividade criminosa não é tão dependente assim do número de policiais, mas depende muito mais diretamente da efetiva aplicação de punições aos criminosos." Se fizermos uma análise fria desse resultado, concluiríamos que a maior fatia dos investimentos públicos deveriam estar no sistema carcerário em detrimento de aumento do efetivo policial. Claro que não é bem assim. Basta pensar na razão número de policiais por habitante existente no Brasil: a Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda um razão de 1 policial para cada 250 habitantes (ainda que eu não tenha encontrado a fonte oficial dessa informação). No Brasil, somando policiais civis, militares e corpo de bombeiros, a razão é próxima de 350 hab/policial (o mesmo que 287 policiais para cada 100mil habitantes).

Particularmente, penso que a questão da criminalidade é influenciado por uma concorrência de fatores. Não podemos ignorar que há brechas em nossa legislação penal. A culpa não pode ser (somente) de quem julga, mas do sistema como um todo. O resumo do artigo aqui explorado, nas palavras do autor de Chi vó, non pó, é "não adianta a polícia prender, se a justiça não condena", uma conclusão bem próxima dos reclames que tenho ouvido dos policiais... Mas não é tão simples assim. Falta investimento, integração e cooperação entre os órgãos de segurança pública nacionais. Já deveríamos ter aprendido que nosso modelo desintegrado (para não dizer desorganizado) não é producente na redução da criminalidade.



Nota extra-postólica: vale refletir sobre o comentário de um sarcástico colega, que diz "ainda bem que o crime existe, pois se assim não fosse, estaria desempregado."

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