quinta-feira, 9 de julho de 2009

Bad Science

Não são incomuns discussões nos meios acadêmicos sobre método e validade científica. Essas discussões são de extrema importância para o processo científico como um todo. A justificativa é simples: métodos errôneos levam a conclusões errôneas. Veja que um projeto científico via de regra se propõe a responder a uma pergunta e para encontrar a melhor resposta é necessário encontrar a melhor estratégia, o melhor método. Caso contrário se faz "má ciência", uma tradução ipsis literis do termo inglês bad science (também conhecida por pseudoscience, fringe science, pathological science, voodoo science e cargo cult science).

Mas quais são as conseqüências dessas conclusões errôneas? Na verdade, pode ou não haver conseqüências. Entretanto, quando há, elas tendem a ser desastrosas. Veja: um erro médico pode matar uma pessoa; um erro de um engenheiro pode derrubar um prédio e matar muitas pessoas; um erro de um biólogo pode extinguir uma espécie; e assim por diante.

E o erro de um perito? Simples: o erro de um perito inocenta culpados ou criminaliza inocentes. Por vezes esses erros são reparados, por vezes não. Isso mostra a responsabilidade do perito sobre um caso concreto.

Um exemplo disso ocorreu na Inglaterra. Em 1998, Mark Dallagher foi condenado por ter matado Dorothy Wood, uma velhinha de 94 anos, asfixiando-a com um travesseiro. Ele negava o crime, mas foi condenado por uma impressão de orelha deixada na janela por onde o invasor teria entrado. Antes do feito, o meliante teria colocado o ouvido no vidro da janela, buscando ouvia a movimentação. Segundo o expert Cornelis Van Der Lugt, ele estava “absolutamente convencido de que aquela impressão na janela era da orelha do Sr. Dallagher”. Ele foi condenado e encarcerado.

Esse era o primeiro caso em que uma impressão de orelha havia fundamentado uma condenação e o representante da promotoria disse que aquilo era "um grande avanço para as ciências forenses".

Em julho de 2002, Dallagher pediu a revisão do caso que foi reaberto quase um ano depois. Dallagher saiu sob fiança 10 dias depois, mas ainda era um condenado. Mas em janeiro de 2004 sua inocência foi provada: um perfil genético (de DNA) obtido a partir da impressão de orelha provou que aquela não era de Mark Dallagher.

Aqui mora o perigo da má ciência. Alguns especialistas vão muito além do que as pesquisas e a experiência do passado podem justificar. Existe certo perigo subjacente aos métodos que são desenvolvidos para determinados fins e utilizados para outros abusivamente. E isso ocorre muitas vezes de forma não intencional, mas de boa fé e alcançam resultados em que o método não se aplica.

O inocente Mark Dallagher passou sete anos preso em função do testemunho errôneo do Sr. Van der Lugt. Esse episódio só prova que a validade da identificação pela impressão da orelha é incerta. Portanto, não deve ser utilizada simplesmente porque os levantamentos necessários para o estabelecimento da validade do método ainda não foram realizados.

Talvez seja o caso daquelas discussões acadêmicas sobre método e validade científica, de que comentei no início deste post, invadirem os meios periciais e jurídicos.

2 comentários:

  1. Na onda do livro que vc me emprestou (mas que eu nem comecei a ler): Dizer que todas as impressões digitais são diferentes é o mesmo que dizer que todos os cisnes são brancos?

    Rafa

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  2. Para os leitores entenderem do que se trata o comentário supra, vou explicar um pouco sobre a teoria do cisne negro.

    Nassim Nicholas Taleb, americano, autor de “O cisne negro: o impacto do altamente improvável” (“Black swan: the impact of the highly improbable”) propôs uma teoria que trata de eventos improváveis e como lidar com eles. O exemplo que deu nome a teoria é que antes de a Austrália ser descoberta, todos os cisnes do mundo eram brancos. Desbravada a Austrália, se descobriu o cisne negro, o que mostrou a possibilidade de uma exceção que de nós se escondida, da qual não tínhamos a menor idéia.

    Em outras palavras, se você perguntasse qual a probabilidade de nascer um cisne negro ante do descobrimento da Austrália, a resposta seria zero, pois nunca aconteceu no passado. A primeira e inesperada observação de um cisne negro mudou radicalmente esse entendimento.

    O cisne negro descrito pelo autor é evento com três características: 1ª) altamente inesperado; 2ª) tem grande impacto; e 3ª) depois de acontecer, procuramos dar uma explicação para fazê-lo parecer menos aleatório e mais previsível.

    Segundo o autor, o cisne negro explica quase tudo no mundo, como a Primeira Grande Guerra. Era imprevisível, mas, depois de sua ocorrência, as suas causas pareceram óbvias para as pessoas. O mesmo aconteceu com a Segunda Grande Guerra. Esses fatos provariam a incapacidade da humanidade prever grandes eventos.

    Agora, respondendo ao comentário anterior, penso que as impressões dígito-papilares são excelentes meios de identificação. Considerando todo o conhecimento que temos, não há dois desenhos papilares digitais iguais, nem mesmo entre gêmeos idênticos. Então, se me perguntasse qual a probabilidade de nascerem duas pessoas com os mesmo desenhos nas papilas digitais, eu responderia que essa possibilidade é nula. Mas, como vêem, isso é exatamente o que pressupõe a teoria do cisne negro.

    Particularmente, penso que as impressões não são cisnes brancos. Entretanto, só posso nisso acreditar até que se encontre o primeiro cisne negro (como aconteceu com a impressão de orelha do post que deu origem a esses comentários).

    Abç,

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