quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Galileu e a justiça à ciência

Galileu frente ao tribunal da inquisição Romana, pintura de Cristiano Banti

Este post não está diretamente relacionado a métodos periciais, mas tem repercussões interessantes no que tange a interface entre ciência e justiça. Em meados do século XVII, Galileu Galilei foi julgado por um tribunal da Inquisição por defender idéias "absurdas" referenciadas no heliocentrísmo. Essa é, sem dúvida, uma passagem histórica interessante. Sobretudo à filosofia e história da ciência.

Durante minha graduação, um professor solicitou que fizéssemos um comentário sobre tal julgamento, ponderando a opinião de pessoas que não estivessem envolvidas no meio das ciências naturais. Pensei em questionar alguém da área do direito para ponderar minhas observações. Foi assim que um então estudante do quinto ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, chamado Rodrigo Rodrigues Dias, topou o desafio e me escreveu a respeito. O que transcrevo abaixo são seus comentários:

Em que pese desconhecermos a legislação vigente, em especial à atinente ao Direito Canônico Medievo, na época em que a sentença que condenou o cientista e astrônomo Galileu Galilei foi prolatada, arriscaremos traçar algumas considerações, tergiversando a seu respeito.

A primeira observação que se faz mister acentuar é que, no decorrer do decisum não consta o fundamento legal ou seja o texto de lei no qual se baseia a condenação ou no qual está prescrito o ilícito perpetrado por Galileu.

Nulla poena, nullo crime sine lege. Não existe delito ou pena caso inexista lei que defina, à época em que a conduta foi realizada, descrição desta como ilícita e cominação de respectiva pena.

O que se verifica é a menção às Sagradas Escrituras, de forma genérica sem fazer menção, ao menos onde e se que forma as mesmas foram infringidas.

A face repressiva do Direito, a qual mostra-se em sua plenitude no ramo do Direito Penal, não tem a arbitrariedade como qualidade. Ao contrário, existe um arcabouço de garantias que podem ser resumidas, a grosso modo, no devido processo legal, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa.

No Direito Penal os princípios da legalidade, da anterioridade e da taxatividade fazem do ato de punir discricionário, impondo um limite à subjetividade do julgador.

Por taxatividadade entende-se que o tipo penal deve ser preciso e claro, delimitando a conduta. Qual a razão de ser absurda a afirmação de que o sol é o centro do mundo e de que permanece imóvel? E por que é errônea na fé a afirmação de que a Terra não é o centro do mundo?

Como se pode falar em ampla defesa se o acusado desconhece os motivos por trás da acusação que lhe é impingida? Ou como defender-se de ilícitos que nem se sabe onde estão previstos?

Nesta breve exposição não foi levantado qualquer aspecto que já não fosse de longo conhecimento geral, vale dizer, as abusividades, arbitrariedades e a prejudicial celeridade que caracterizavam os trabalhos levados a efeito pelo Santo Ofício.

O que se pretendeu, apesar de ignorarmos as peças processuais que precederam a sentença, foi levantar alguns aspectos jurídicos atuais, que apesar de pouco considerados pelos Tribunais da Inquisição tem seu desenvolvimento iniciado já no Império Romano.

É por essas e por outras que a Idade Média é intitulada 'Idade das Trevas.'

Rodrigo Rodrigues Dias - 5o. Ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco/USP, 2000

Nada mais justo que finalizar esse post com uma frase atribuída a Galileu: "E ainda assim ela se move!"

2 comentários:

  1. Claudemir, sinto muito, mas essa foi péssima.

    O comentário do rapazinho - cuja ignorância é tornada ainda pior pela frase final; afinal, o julgamento de Galileu ocorreu no Renascimento, não na Idade Média... - poderia ser resumido em "não li os autos do processo, logo o rito foi sumaríssimo e injusto".

    Só pra resumir um pouco, o Galileu foi acusado não de defender o heliocentrismo, que Copérnico já defendia, mas de afirmar que, ***por o sol estar no centro do Universo*** (o que aliás é falso), a Escritura estava errada e deveria ser corrigida.


    Ou seja: ele defendia que a ciência (imperfeita e sempre em transição) deveria ter direito de violar a autonomia da esfera religiosa e da tradição, forçando modificações dos ensinamentos religiosos para que estes se adequassem à visão da ciência no momento.

    Como ele era afilhado do papa, aliás, a "pena" dele foi de ir morar no palácio de um cardeal amigo, onde continuou suas pesquisas.

    A própria filha dele puxou-lhe as orelhas depois da farsa toda de julgamento, aliás, com vergonha do papelão que o pai fez.

    Foi apenas mais tarde, em uma busca de pseudo-mártires mais ou menos semelhantes à uque no Brasil transformou o militar Tiradentes em uma figura cabeluda e barbuda para parecer com o Cristo, que se inventou esta lenda toda de Galileuzinho cientista vítima do obscurantismo.

    Mesmo em termos atuais, o obscurantista era ele, que do alto da sua vaidade queria impôr como verdade universal, inclusive em uma alçada que não diz respeito às descobertas científicas (a religião, a crença numa Palavra revelada por Deus, etc.), o que **ele*** achava ser verdade.

    Sugiro voltar à perícia, onde vc manda muito bem. :)

    []s periciais do

    Ortegão

    ResponderExcluir
  2. Ortegão, suas ponderações são claras, intensas, louváveis, mas não tão precisas quanto parece.

    O post não fala que Galileu foi julgado por defender o heliocentrimos, mas sim que "foi julgado por (...) defender idéias 'absurdas' referenciadas no heliocentrísmo".

    Ainda que sua tese, que o levou a julgamento, seja a de que a ciência "deveria ter direito de violar a autonomia da esfera religiosa e da tradição, forçando modificações dos ensinamentos religiosos para que estes se adequassem à visão da ciência no momento", ainda se violam os princípios do Direito Penal citados no texto, especialmente o da legalidade/anterioridade e o da taxatividade.

    O que me pareceu interessante em propor esse tema foi a importância do registro histórico da interação entre ciência e justiça. Tal interação é, hoje, personificada em dois indivíduos: o legislador (que cria as leis considerando a ciência) e o perito (que usa de recursos científicos para elucidar a justiça).

    Quanto aos erros apontados no texto, não tenho do que discordar. Mas as circunstâncias destes são de menor importância frente ao objetivo do post supra mencionado. As biografias de Galileu Galilei falam do julgamento forjado (que devem ocorrer até hoje) e da filha, Vigínia (ou, religiosamente, Soror Maria Celeste).

    Entretanto, entendendo sua inquietude de filósofo, deixo aqui um convite para escrever um (ou mais) post(s) sobre o tema central, isto é, a interação primordial entre ciência e justiça. Como sempre digo, este blog está sempre aberto para contribuições!

    Salute!

    PS- Parece que na década de 90 o processo que condenou Galileu foi revisto pela Igreja, que teria o absolvido. Lembro de algo do gênero, mas não estou certo disso.

    ResponderExcluir